Capítulo V - «Quentes e boas»
«Quentes e boas! Quentes e boas!» – o
pregão vinha da boca de um velhote que, junto a uma motoreta, sacudia o assador
de castanhas.
O mês de Novembro ia frio e os transeuntes
usavam as suas roupas mais quentes. Quer grandes ou pequenos apressavam o passo
na direção dos transportes que iriam apanhar de regresso a suas casas.
O Cais do Sodré apresentava-se naquele fim
de tarde de inverno com uma infinidade de trânsito assustadora. Os autocarros e
elétricos passavam apinhados de gente que regressava a suas casas. Os carros
acendiam as luzes de presença porque o sol se escondia atrás de nuvens
cinzentonas e a claridade era como que um «lusco-fusco».
João caminhava junto da sua amiga Ana Luísa
em direção à estação.
- Ana, que tal umas castanhas? Apetece-te?
- Acho que sim – respondeu. – Com este
friozinho vem mesmo a calhar.
- Então quantas vão ser «meus meninos»?
Uma dúzia ou mais? – perguntou o velhote na esperança de mais um dinheirito que
iria colocar no bolso das calças já coçadas.
- Uma dúzia se faz favor – respondeu João
enquanto tirava o porta-moedas do bolso do casaco.
Ana Júlia era estudante de jornalismo e
ambicionava fazer carreira no Diário de
Notícias. Para isso contava com um amigo do tio que trabalhava na redação
desse jornal. Tinha 22 anos e, tal como João, tinha vindo imigrada para Lisboa.
A sua família era também do Alentejo, concretamente do Ciborro, uma pequena
aldeia pertencente ao concelho de Montemor-o-Novo. Talvez fora isso que os
fizera aproximar ou tão-só a coincidência de gostarem ambos de jornalismo.
- Estão tão quentes que até queimam! – queixou-se
Ana.
- É verdade – retorquiu João.
Caminhando, foram subindo a Rua do Alecrim
em direção ao Chiado.
Aquela sexta-feira era o culminar de uma
semana e o início de um descanso merecido. As luzes dos candeeiros tinham-se
entretanto acendido e a claridade que deles emanava dava um toque de «velha
dama» à cidade.
- Ana, achas que daria para jantarmos um
destes dias? Eu pago! – apressou-se a dizer.
- Porque não. Quando eu tiver uma folga da
faculdade combinamos isso – respondeu Ana, com um esboço de sorriso nos lábios.
João sentiu-se como um «miúdo pequeno» a
quem alguém lhe prometera uma guloseima.
……………
Álvaro contemplava a paisagem e reparava
nas casas que do outro lado do rio iam aparecendo como que de pirilampos se
tratassem. Quase não dava conta do cigarro que ia queimando no cinzeiro do
parapeito da janela.
Entretanto, o seu pensamento ia voando por
um passado ainda recente. O dar a mão ao João era das melhores coisas que
fizera na vida. Quem lhe dera a ele, quando ali tinha chegado, ter havido
alguém que lhe tivesse feito o mesmo. Mas a vida é mesmo isso.
Ouviu, vindo das escadas, passos de duas
pessoas que vinham subindo.
- Quem será?, pensou.
- Sr. Álvaro, dá licença que a minha amiga
Ana Júlia entre?
- Entrem os dois com certeza. Lá fora é
que não vão ficar, claro!
- Deixa-me que te apresente o Sr. Álvaro
Fontes de quem já te tinha falado.
- Prazer, Sr. Álvaro. Chamo-me Ana Júlia –
e esticou a mão cerimoniosamente.
- Muito prazer, Ana! Entra e senta-te à
vontade – retribuindo o cumprimento. - E tu, João, como é que foi o dia? Muito
trabalho?
- Menos mal, Sr. Álvaro. A «rotativa»
avariou mas o mecânico conseguiu resolver o problema.
Ali reunidos, em pleno «coração» da cidade,
três alentejanos que tinham «fugido» da província e que procuravam o seu futuro
na capital. Tal como eles, muitos outros buscavam o «el dorado» e uma vida
melhor. O futuro seria o que fosse.
(Continua)
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