Adelaide
convencia-se cada vez mais que a vida era feita de pequenos nadas. Coisas nas
quais nem sempre reparava, mas que, sabia, faziam sentido. Teve a certeza disso
enquanto se dirigia para o consultório médico.
Estava sentada
à espera, há minutos, numa sala que era ponto de encontro de alívios, para uns,
e de dramas e angústia, para outros. Para uns, “esteja tranquilo, que não morre
disto”. Outros tinham menos sorte. Descansar e sobreviver eram coisas bem
diferentes, separadas por uma grande distância. Qualquer resultado que ali
fosse transmitido aos pacientes não era necessariamente sinónimo de vida ou de
morte. De medo, apenas. E receio. Incerteza também.
De repente, a
sala fora-se despindo de pessoas. Só restava ela. Ela e o recepcionista. A
televisão interrompia um silêncio algo incómodo. Ela temerosa. Ele imaginava a
mágoa dela. Não se preocupava muito, contudo. O seu trabalho, pensava ele, não
era consolar ninguém. Não havia, por isso, olhares constantes de compreensão,
de apoio. Alguns sorrisos, apenas. E indiferença fingida. Os problemas dos
outros não eram os seus problemas. Também ninguém lhe perguntava se estava bem
e, tantas vezes, precisava de sentir alguma preocupação, verdadeira
preocupação, da parte daqueles que se cruzavam consigo diariamente.
O homem pôs a
televisão um pouco mais alto. O silêncio incomodava-o também, afligia-o. Já lhe
bastava em casa. Um silêncio de consentimento, que era mais aprovação sem
discussão. E, do pouco que passava em casa, havia sempre mil e uma ocupações a
desviar a sua atenção dela. Quase pareciam incomunicáveis. Havia entre eles
metros e metros de coisas por dizer. Pareciam viver, frequentemente, dias em
que o mundo lhes virava as costas. Nada diziam, nada perguntavam, nada parecia
ter importância.
Adelaide, inquieta, levantara-se, entretanto. Olhava, pela janela, o jardim
ali perto. Aquele que, dizia com frequência, era o jardim mais bonito que
conhecia. Mesmo a caminho do Verão, uma chuva miudinha caía de um céu cinzento.
Lá fora, a vida parecia continuar. Na rua, meia dúzia de pessoas apanhadas de
surpresa pelo tempo menos simpático apressavam o passo, outras cobriam a cabeça
com o capuz, outras não revelavam qualquer incómodo.
O telemóvel tocou, de novo. Adelaide ignorou a chamada, como fizera minutos
antes. Depois desligou-o, por fim. A paciente anterior saiu do consultório. Ela
avançou timidamente, a medo. Aquele momento era, na verdade, um pedaço de
memória que se atravessava na sua vida. Um pedaço de memória que era sinónimo
de tristeza. De medo também.
– Olhe,
desculpe.
Face à
ausência de resposta, a mulher, Matilde, chamou-o, de novo:
– Desculpe, senhor.
Tenho consulta marcada, mas atrasei-me um pouco.
O
recepcionista disse que não havia problema e sorriu; depois preencheu uma série
de dados na ficha de Matilde.
A paciente anterior
tinha já saído. Adelaide, até então última paciente do dia, tinha já entrado.
Naquele momento, o médico dizia-lhe que os resultados não eram, de todo,
animadores. Ninguém sabia que ali estava. Ninguém –
familiares ou amigos – desconfiava dos seus medos e receios. Ninguém sabia que
temia pela vida. Decidida, não queria fazer ninguém sofrer por antecipação.
Se tudo corresse bem, a uma distância
segura, contar-lhes-ia, tudo. Para já, sofria ela, unicamente. Só.
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