terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Sexta-feira de Helena João



Sexta-feira. Ou talvez um bocadinho antes. Sexta-feira começou a amá-lo. Mas talvez um bocadinho antes tenha começado a reparar que seguia, inevitavelmente, nessa direcção.
Quando chegou ao café já ele lá estava, sentado ao lado do amigo de ambos. À sua frente um café, na mão um cigarro prestes a terminar. Debaixo da mesa um joelho que não parava de tremer. «Raios!», é fumador, pensou. Também não interessa. Não está interessada em ninguém neste momento. Do que precisa é de paz e sossego. Adiante.
Dez minutos de conversa casual e é tempo de voltar ao trabalho. E o estranho, moreno, de olhar vivo e sorriso sedutor, não lhe sai da cabeça.
Nas semanas seguintes, os encontros repetiram-se. Primeiro, fugazes, unicamente um café depois do almoço. Coisa de quinze minutos, não mais. Pouco depois, alargando-se ao almoço, partilhado na casa dos amigos. Quatro humanos e dois gatos compõem a família feliz. Nesses almoços fala-se de tudo. Passados, presentes e futuros. Livros lidos e - que falha imperdoável - livros por ler. Ainda por cima, os clássicos. Ele leu-os todos antes de completar uma década de vida, ela não leu nem um terço nas três que já viveu. Há uma cumplicidade estranha que se instala e, lentamente, a ideia de estender os encontros a um jantar, seguido de um copo num bar simpático, surge-lhe na mente. Não sabe porquê. Só sabe que lhe parece ser uma boa ideia. Os dias vão passando sem que engendre uma maneira de combinar esse jantar e não dar azo à óbvia interpretação. Quer mesmo estar com ele, acima de tudo sem um limite horário imposto por um qualquer regresso pós-prandial ao trabalho.
- Então, quando é que vamos todos jantar umas francesinhas? - lá arranja coragem de dizer, ao início de mais um desses almoços.
- Por mim pode ser já neste fim-de-semana. Sexta-feira, que tal? - diz ele, ao mesmo tempo que se levanta do sofá e deixa a flutuar na atmosfera mais um travozinho ao delicioso perfume.
Sexta-feira amanheceu cinzenta, como qualquer outra manhã de finais de Novembro. Entre internados, cirurgias e consultas, consumiram-se as horas que a separavam do tão desejado encontro ao almoço.

Quando chegou a casa dos amigos já ele lá estava, com o gato ao colo, afagando-o, ao bom estilo do número um da Spectre.
- Logo a que horas sais? - perguntou ele.
- Às sete.
- Porreiro, eu também. Dás-me boleia para baixo?
A última meia hora até às sete da tarde foi passada a olhar para o relógio com uma cadência assustadoramente perfeita. Mas nem isso fez o pequeno ponteiro avançar mais depressa. O tempo tem destas coisas. Teimoso no seu ritmo de passar. Ora depressa, ora devagar, mas nunca no ritmo certo da nossa vontade. Ainda assim, na sua inevitabilidade, chegaram as sete horas. Correu para trocar de roupa, correu para o carro, acelerou até ao ponto de encontro. Lá estava ele. A sua silhueta recortava-se no escuro típico desta época do ano. Apenas um brilhozinho vermelho se distinguia ao longe. Mais um cigarro. Estacionou o carro e saiu.
- Vens?
- Deixa-me só acabar o cigarrinho – diz-lhe enquanto saltita de um pé para o outro como que a enganar o frio.
A noite prolongou-se, deliciosamente, até já ser demasiado tarde para quem no dia seguinte tem que trabalhar. Não se beijaram, mal se tocaram sequer. Apenas o brilhozinho nos olhos de ambos denuncia o que se passa lá onde reina a alma. Não passa despercebido nem ao observador mais incauto. A cumplicidade estranha já lá está. Instalada e para ficar. Há tempo para viver o que se segue.
O bebé vai nascer numa sexta-feira. Ou talvez um bocadinho antes.