segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Nem às paredes confesso de António Alvarez


Capítulo III – Loucos de Lisboa

Iam saindo do barco em fila indiana quais “formigas no carreiro”. Cá fora do lado esquerdo da gare marítima avistava-se a Praça do Comércio. Os táxis perfilavam-se à espera de alguns clientes que fossem para mais longe. Os seus condutores, junto das bagageiras abertas, esperavam pacientemente para colocarem alguma mala que os clientes pudessem trazer. O João, de mochila às costas, olhava com cara de espanto a multidão bem como a ida e vinda dos autocarros e eléctricos que cruzavam a avenida. Álvaro olhou para trás e reparou nos “olhos cheios” da grande cidade do seu companheiro de viagem.
- Nunca tinhas visto tanta gente… Não é João?
- É verdade Sr. Álvaro! Isto é um “mundo” – respondeu-lhe com um tom de voz extasiada. – Já tinha visto na televisão e já me tinham falado mas – e inspirou – isto é muito diferente do que eu imaginara…
- Bom, rapaz, daqui ao Largo de Camões faz-se bem a pé. Mas afinal para onde é que vais concretamente?
- Vou para uma pensão que fica ao pé do Largo de Camões.
 Parou e tirou um papel dentro do bolso esquerdo: “Pensão Casa de S. Mamede”, que fica na Rua da Escola Politécnica.
- Bom! Vamos que ter de andar mais um pouco. Prepara-te, porque, a determinada altura, é sempre a subir.
João olhou para o Cais das Colunas, onde as águas do Tejo subiam até meio da escadaria. O mar fascinava-o. Ainda que não fosse propriamente o mar, era uma imensidão de água até à Outra Banda. Os barcos, de todos os tipos, atravessavam aquela “avenida” em várias direcções. Não tinha nada a ver com o rio Almansor, onde em criança tinha brincado lá em Montemor-o-Novo. Lembrava-se agora dos seus companheiros de infância. O Quim, filho do “Sor” Zé Padeiro, e o Chico Cebola, com quem brincava junto ao “campo da feira”. Esses “tempos” já lá iam... Agora estava em Lisboa para começar uma nova vida. Iria conhecer novas pessoas, fazer novos amigos e ter um emprego. Era essa a sua grande expectativa...
Tinham atravessado a avenida e agora cruzavam a praça junto à estátua de D. José I. O dia estava luminoso apesar do “friozinho” que se fazia sentir. Lado a lado iam em direcção à Rua do Ouro. O barulho dos autocarros, dos automóveis e das motos quase que os levava a não falarem muito. Passaram por um cego que tocava acordeão. João, tendo ficado a olhar para trás, esbarrou num homem que vinha em sentido contrário.
- Eh pá! Vê lá por onde andas – disse-lhe o transeunte, que seguiu o seu caminho.
- Desculpe! Foi sem querer… — respondeu-lhe o mais educadamente possível.
- João, aqui está na cidade. Toda a gente anda no “corre-corre” – disse Álvaro sorrindo.
– Depressa te vais habituar.
A rua fervilhava de gente que se cruzava num vaivém apressado. O João caminhava lado a lado com Álvaro e, mentalmente, comparava a sua terra com a grande cidade. Aí todos se cumprimentavam e o “andamento” era bastante mais pausado. Lembrava-se quando miúdo das brincadeiras que tinham na rua. Ali de certeza seria impossível os miúdos brincarem “cá fora”.
- Então passa-se alguma coisa?
- O quê Sr. Álvaro?
- Vais tão sisudo que eu perguntei se tens alguma coisa.
- Ah não... Não é nada – respondeu. – Estava cá a magicar com os meus botões...
- Se calhar era melhor pararmos aí numa “tasca” e comermos alguma coisa. Ou tens hora marcada de chegar?
- Não tenho. E realmente também já estou a sentir alguma “lambrica” no estômago.
- Óptimo! Então conheço ali uma tasquinha no Bairro Alto que se come divinalmente. Chama-se As Cegonhas.
Iam subindo a Rua do Carmo em direcção ao Chiado. Mais um pouco e estariam a almoçar descansados da viagem.
- “Olhó 27! Anda amanhã à roda” – o pregão do cauteleiro sobrepunha-se ao barulho envolvente. Um “chiar” de travões a fundo e um “baque” fez voltá-los a cabeça donde há pouco viera a voz ouvida. O corpo deitado inanimado no chão rapidamente juntara à sua volta os transeuntes curiosos. Alguém clamava: “Chamem o 115 depressa!” Álvaro entrou nos Armazéns do Grandela e pediu à empregada do balcão da recepção que chamassem a ambulância. João ficara como que paralisado a olhar a cena. Da Valentim de Carvalho, mesmo em frente, saía o som da música Chico Fininho, de Rui Veloso. Dois jovens olhavam a montra com os últimos sucessos da música. Ao lado deles um velho de chapéu na mão pedia esmola quase encostado aos seus pés...
- Onde eu me vim meter!... – disse em sussurro.