Pedia-lhe, ali
mesmo, calma. Um pouco mais de calma. Que parasse, que não queria ouvi-lo mais.
Ele fingia não a escutar, continuava a reclamar, queria todas as atenções
voltadas para si.
– Quem põe a
comida na mesa? – perguntou-lhe, baixo. Respirava rancor, sentiu ela.
Ela, empurrada
para o desemprego há meses, soluçava. Suportava filas e filas no centro de
emprego, mas de nada lhe adiantava.
– Quem é? –
repetiu ele, exaltado.
Ali perto, as
pessoas, absortas em conversas mais ou menos tontas, mergulhadas nas notícias
que o jornal trazia, não pareciam ouvir o que quer que fosse. Só um homem,
Rogério, ali mesmo ao lado, se apercebia de tudo. Pediu um segundo café.
Depois, olhou o outro homem, que se aproximava ainda mais da mulher, para lhe
perguntar pela terceira vez, enquanto lhe agarrava o pulso com força:
– Quem é?
A mulher,
contida, não tinha deixado ainda de soluçar. Desejava que os outros à sua volta
não ouvissem o que ela ouvia diariamente. Horrores repetidos, medo. Uma vida
que a sufocava. Não queria que houvesse testemunhas de nada.
O café de Rogério, sobre a mesa, arrefecia. O terceiro da
manhã, quarto talvez. Não faltava quem lhe sugerisse que bebesse menos: “Tem
cuidado, faz-te mal beber tantos cafés por dia.” De nada adiantava, porém. Era
um verdadeiro dependente da bebida. Imaginava-se até numa qualquer reunião de
dependentes de café anónimos. “Olá, o meu nome é Rogério e, desde que me
conheço, sou dependente do café.” A vaga ideia daquela situação fê-lo sorrir
discretamente. Mas nem por isso prestou menos atenção ao que se passava na mesa
ao lado da sua. Queria ajudar, contudo, sentia-se um verdadeiro cobarde, sem
coragem para enfrentar o outro homem. Era um problema alheio, bem o sabia, mas
cruzava-se assim na sua vida, metera-se pela sua leitura dentro, sem que o
pudesse impedir.
O homem, entretanto, saiu, sem sequer se despedir. A
mulher soluçava ainda. Baixinho, não queria que as pessoas reparassem. Rogério
tomou coragem, embora não quisesse invadir assim a intimidade daquela mulher.
Não lhe pediu calma, disse-lhe para agir:
– É jovem, bonita, tem uma vida pela frente.
Ela, tímida, sorriu. Há já muito tempo que nada nem
ninguém a fazia sorrir, pouco que fosse.
Rogério olhou
depois a chávena de café frio sobre a mesa. Como havia
dependências bem piores que a sua, pensou. A mulher da mesa ao lado era
dependente daquele homem. Era-lhe, aliás, submissa. Ou, pelo menos, parecia e
isso já não era bom.
– Há amores que matam – disse-lhe Rogério, mesmo antes de
sair. Queria fazê-la reflectir. Ela nada respondeu.
Na rua, o vento uivava. Como semanas antes, numa manhã
sem luz. Tentara ir às compras, mas o empurrão do vento depressa o fez
desistir, não havia dado ainda meia dúzia de passos. Viu árvores caídas, carros
acidentados. Passadas algumas semanas, era a vida daquela mulher que lhe
parecia acidentada. E ela, prestes a cair, a baixar os braços, a deixar-se
desistir. Quem lhe dera a si poder não o permitir. Mas quem era ele para
sugerir o que quer que fosse, para interferir na vida de alguém que nem sequer
conhecia?
Já a mulher, pede tempo ao tempo, mas o tempo parece
fugir-lhe.