sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Conto do Bosque por Manuel Vasquez


Um dia fui ao bosque e procurei tanto e mais quero encontrar, pois a vida é tão triste e sem cor do bosque. No meu bosque há vida, árvores grandes, ervas de todos os cheiros, bichos de todas as cores, sons dos mais graves a agudos, sinfonia onde entra vento e brisa.
Ao bosque sempre recorro na alegria e na tristeza, pois foi nele que que aprendi que semente brota e cresce, que folha, animal e até papel com carta escrita se desfaz e renasce mais tarde em planta, árvore ou flor, comido por caracol e insecto voador.
Aos meus pais nunca disse, mas eles sabiam, e, quando me viam triste e cabisbaixo, diziam-me: «Vais para o teu bosque falar com amigos que só tu conheces e nem nos dizes?» Pois assim foi. Há muito tempo que conheci um ser estranho, com um vestido curioso e ilustrado, nem gente, nem animal, mas duende era por certo. Tinha ouvido falar dele em contos, em histórias contadas por minha tia, que eu julgava ser mentira, mas ele ali estava e disse-me: «Boa tarde amigo.»
Ao duende só à segunda vez lhe respondi e a medo perguntei-lhe: «Como te chamas.» Ele sorriu e disse: «Mais tarde te direi. Agora já me vês e reconheces-me das histórias de tua tia e minha amiga.» A pouco e pouco, fui-lhe contando as minhas desventuras e até sovas por ser malcriado e mentiroso. O duende, que hoje sei o nome e nunca vos direi, porque prometi segredo eterno, ouvia os meus desabafos entre raiva e choro e no final sempre me dizia: «Coragem rapaz, tu és forte e aguentas muito mais, é a tua escola de vida.»
Na escola tinha sucessos e insucessos, e esperava sempre o final das aulas e dos trabalhos bem feitos, pois esquecia-me de os aprontar. Meu amigo, nem aparecia. Lá vinha eu noutro dia e prometia-lhe que nunca mais acontecia e ele ria-se e dizia: «Sim, sim, pois então, o teu nariz irá crescer e de Pinóquio o sentirás em adulto.»
Fui crescendo e amadurecendo e vendo que o meu amigo duende também — ele mantinha-se apenas na mesma dimensão e nas vestes sempre limpas e belas. Quando triste estava e sentia medo, reconhecia-me e aquecia-me a alma e o coração com palavras meigas, sombras desvanecidas e as lágrimas pareciam boa rega de semente de esperança. As estrelas na noite nunca escondiam ser possível ultrapassar trevas, de manhã o Sol e em muitas noites uma Lua tão cheia que nos fazia impressão de ir aparentemente subir e rebentar no ar.
Hoje, sempre converso com o meu amigo duende e espero não ser apelidado de louco que efetivamente sou, mas de amor o reconheço e cultivo com o meu amigo e vos partilho um esboço de intuição e caminho. Esperança, amigos, e tolerância, a quem melhor estiver nada de soberba, a quem pior se mostrar nunca se engane e iluda que o meu duende saberá mais e vos dará na cabeça. A meninos, a velhos e gentes eternos sofredores de tempos passados, presentes e futuros, apenas vos direi o que aprendi com meu o meu amigo duende. Chorem, riam e desfrutem algo nem que seja o dia ou a noite do vosso encanto que é a vossa vida curta e bela. Este amigo, que por certo partilho com alguém e nem sei, sempre me ensina algo no dia e no momento de conversação. Com ele aprendi a aceitar o envelhecimento dos meus familiares e meu também. Com o duende discuti obras de literatura e poesia, e ele sabia muito mais do que eu, mas dizia-me que com mais de 300 anos teria de saber.
Perguntaram-me porque fazia segredo do nome deste duende, amigo e quem sabe imaginário será, pois nada mais simples, porque para o convocar e falar, apenas tenho de dizer o nome dele em voz baixa e ter o olhar e alma tranquilos, e se estiver só ou em companhia de alguém puro ou criança, ele mostrar-se-á e dirá: «Duende da minha vida e da minha esperança, apresento-o e mais tarde outras histórias contarei.»

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Profecia por Célio Passos




A esplanada do restaurante tinha poucos clientes.
Herculano Quintas ocupou uma mesa perto do varandim que dava para a falésia da praia.
Escolhera aquele restaurante porque por ali passava muita gente da comunicação social, e ele, como jornalista freelancer, tinha oportunidade de estabelecer contactos, face às dificuldades, cada vez mais reais, de arranjar trabalhos.
Na outra ponta do restaurante estava sentado um indivíduo deveras estranho. Totalmente careca, esse aspecto não era relevante porque está na moda os homens raparem o cabelo; vestia um fato cinza antracite, camisa branca e gravata azul-escura. A sua cara era esbranquiçada, angulosa e as sobrancelhas, se existiam, eram um simples traço, tal como a boca. Os olhos assemelhavam-se aos dos orientais. As orelhas eram pequenas, coladas ao crânio. O nariz aquilino tal como de uma estátua grega. Era alto, talvez 1,80 metros.
Desde que Herculano entrou no restaurante que não o deixava de o observar, facto que lhe chamou à atenção.
Herculano escolheu um prato do menu e pediu uma bebida. Reparou que o indivíduo, apesar de ter um prato com comida e uma bebida à sua frente, não se prontificava a comer. Estava Herculano quase a acabar a refeição e a situação permanecia inalterável. Numa imobilidade exasperante, o indivíduo continuava a fixá-lo, facto que começou a perturbá-lo. A certa altura chamou o empregado e pediu a conta, sem sequer ter tocado na refeição, o que levou o empregado a questionar se algo se passava com o prato escolhido. Perante a resposta negativa, o empregado apresentou a conta, que ele prontamente pagou, deixando uma substancial gorjeta. Levantou-se e dirigiu-se à mesa de Herculano e perguntou-lhe se podia sentar-se; perante o inesperado acto, disse que sim.
- Sei que o posso ajudar! – disse num português com um sotaque estrangeirado.
- Mas porque acha que eu preciso de ajuda? - perguntou Herculano.
- Apesar de morfologicamente ser parecido consigo, sou de outro planeta e venho numa missão essencial para a sobrevivência do meu planeta. Penso que nos podemos ajudar mutuamente. Estou num hotel aqui em frente, com uma identidade falsa, como deve entender, mas se estiver interessado em conversarmos, apareça amanhã pelas 15 horas – despediu-se e entregou-lhe uma espécie de cartão-de-visita, num material que nunca tinha visto:
                                                                 Stephen Wright
                                                                       Adviser
                                                                  Perth England

O que se estava a passar era uma situação, no mínimo, surreal.

Eram perto das 15 horas, quando Herculano chegou ao hotel e dirigiu-se à recepção.             
- Sr. Herculano Quintas? O Sr. Wright está aguardando-o no quarto 302. O elevador é ali à sua direita- disse o recepcionista sem esperar qualquer pergunta.
Herculano bateu à porta do 302. Wright abriu a porta e fez um gesto a convidá-lo a entrar.
- Não o convido para uma bebida, porque apesar de sermos morfologicamente parecidos, o meu metabolismo é diferente do vosso. Seria muito fastidioso explicar como vivemos, e não interessa para o propósito que aqui o trouxe. Sei que está em dificuldades em arranjar artigos para publicar, e eu consigo ajudá-lo.
- Como? - perguntou Herculano.
- É que eu tenho poderes que vocês terrestres não têm - disse Wright.
- Como assim?
- Eu tenho vários dons, um deles é da premonição. Eu sei de factos que se vão passar com certeza absoluta e com todos os pormenores. Alguma vez ouviu falar do calendário Maia? - perguntou Wright.
- Sim. Mas não tenho conhecimentos suficientes sobre a matéria.
- E da profecia que ele contém?
- Não.
- Sabe que o calendário termina no dia 21 de Dezembro de 2012?
- Não. Mas o que tem a profecia com o fim do calendário?
- É que, segundo essa profecia, coincide com o fim do vosso mundo. Mas, os nossos cientistas sabem que isso não vai acontecer. Vários acontecimentos vão ter lugar a nível do vosso planeta, não só geológicos, climatéricos, catástrofes, convulsões sociais, mas também terá implicações no universo.           
     - Acha que estou a mentir?
- Não propriamente, mas estou a duvidar das suas intenções - respondeu Herculano.
- Para lhe provar as minhas intenções, vamos fazer um teste. Eu sei que para a semana vai haver um desastre rodoviário de enormes proporções. Vou dar-lhe um dossier com todos os pormenores que vai fazer chegar a um jornal ou revista para quem trabalha no dia anterior ao acontecimento. Fala com a redacção convencendo-os da veracidade do acontecimento e que a publiquem no dia seguinte em manchete, e será o primeiro jornal ou revista a dar a notícia com todos os pormenores, será um sucesso e você ficará bem visto e credível.
Entregou-lhe um dossier com o relato da catástrofe, dados dos mortos, feridos e desaparecidos, fotografias e entrevistas com entidades afectas aos meios de socorro. 
Com uma certa dúvida e relutância, entregou o dossier numa revista com quem trabalhava muitas vezes. O chefe da redacção achou piada e aceitou a reportagem.
No dia do acontecimento, a catástrofe deu-se conforme estava relatada no dossier entregue por Herculano. Dirigiu-se então ao hotel onde estava hospedado Wright.
Não foi preciso dizer nada, o recepcionista disse que o Sr. Wright aguardava-o no quarto 302.
Bateu à porta, Wright convidou-o a entrar.
-Como vê não lhe menti – disse Wright. -O que se vai passar no dia 21 de Dezembro deste ano está tudo descrito neste dossier que o Herculano vai entregar no dia anterior.
-Vamos assistir ao que se vai passar e vamos monitorizar tudo, e se acontecer um pequeno desvio a qualquer dos acontecimentos, tenho que entrar em contacto com o meu planeta para tomar as devidas providências. Encontramo-nos no dia 20 de Dezembro às 24.00 horas, neste hotel. A sua participação é importante porque conhece a raça humana e pode separar os acontecimentos verdadeiros dos especulativos.
Entregou-lhe um dossier volumoso e despediu-se. Herculano saiu do quarto e do hotel.
Foi para casa e começou a lê-lo. Previam-se coisas espantosas. Iam ao mínimo detalhe os diversos eventos. Herculano ficou apreensivo com alguns, espantados com outros e satisfeito com uma minoria. Tinha nas mãos, provavelmente, o futuro e não podia para já divulgar.    
Entrou no restaurante, meio aturdido, nem sabia bem o que queria comer. Os acontecimentos que se previam a curto prazo tiraram-lhe o apetite. Entretanto, entrou no restaurante um colega de profissão, o Esteves de Almeida, seu conhecido de longa data. Herculano convidou-o para a sua mesa. Apesar de começarem a falar de assuntos da profissão e das dificuldades existentes, da cabeça de Herculano não saía a conversa que tinha tido com o Stephen.
-Conheces o Stephen Wright? - disparou a pergunta que parecia uma bala.
 -Stephen Wright ? Não. É colega de profissão? Nunca ouvi falar dele, e tu bem sabes que conheço a malta toda, mesmo os estrangeiros – respondeu de um modo espontâneo. - Porquê?
 - Esquece! Sou eu que estou com este nome na cabeça e não sei como apareceu. Estou confuso – justificou-se.

Entretanto, foi-se documentando sobre a previsão Maia e a data relacionada. Muitos meios de comunicação, principalmente revistas, falavam do acontecimento do dia 21 de Dezembro de 2012.  
Faziam -se previsões, os cientistas opinavam, os sociólogos conjecturavam, os filósofos filosofavam, as religiões apelavam, os geólogos analisavam os movimentos da crusta, os astrólogos consultavam os astros, outros especialistas teorizavam, e o comum dos humanos queria era saber como sobreviver ao dia de amanhã com o miserável ordenado que levava para casa.     
Herculano relembrou-se da situação que se passou quando da passagem do milénio, em que se dizia que o mundo ia acabar, fizeram-se grandes cruzes, multidões entraram em pânico e no final o planeta Terra continuou a girar no espaço infinito. 
Mas desta vez, e pelos dados fornecidos por Wright, o caso era diferente. Seria diferente? Ou o Wright não era quem dizia ser? Será verdadeira a profecia Maia? Estará de facto o fim do mundo? Será no dia 21 de Dezembro em que o mundo vai conhecer um novo destino? A espera vai ser exasperante.
Recolheu a casa e começou a escrever um texto: “ Antes de 21 de Dezembro de 2012.”  
Seriam as suas memórias. Poderiam um dia vir a ser úteis a alguém.                               

                                                                                                         FIM

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Mentira Plausível de Helena João



És como uma onicomicose na minha vida. Sim, és como esse fungo que habita as unhas, que nelas expande as suas hifas e que delas retira abrigo e alimento. És como esse fungo que, em troca, apenas deixa os incómodos da comichão e mau cheiro. Sugas-me a energia, a felicidade e a boa disposição e, ainda assim, sou obrigado a amar-te. Não percebo por que lei ou ordem, inscrita num código genético, sou obrigado a amar-te. Partilhamos os mesmos pais, partilhámos o mesmo útero com uma diferença de meia dúzia de anos, a mesma casa e memórias de infância durante anos. Será que só isso basta? Não quero, não acho, não amo. Pronto.
Lembro-me daquele dia em que os pais saíram umas horas e tu ficaste, pela primeira vez, sozinha, a tomar conta de mim. Lembro-me da voz deles a dizer expressamente: «Não subas à macieira, Carlitos, que cais e magoas-te.» E lembro-me de ti a contares-lhes uma mentira qualquer sobre me teres empurrado da bicicleta. Qualquer coisa que justificasse aquele joelho em ferida e me livrasse do merecido castigo. Lembro-me disso.
E lembro-me de me telefonares a meio da noite a pedir para te ir buscar à esquadra.
«Não digas nada aos pais, Carlitos. Não é nada droga, Carlitos, são só uns charros. Emprestas-me 50 euros? Dou-tos para a semana, sem falta.»
Lembro-me disto tudo, mas não me lembro quando passei eu a ser os seis anos mais velho. Não me lembro quando estacionaste nos doze ou qualquer coisa do género. Não me lembro de te ter passado à frente, nem me lembro como é que cheguei aos trinta e quatro já com quarenta.
Não sei o que será ter filhos, mas não quero. Tu já me chegas. Às tantas também era obrigado a amá-los. Sei o que é ver a mãe pelos cantos a chorar e o pai a dizer: «Deixa lá a menina.» Sei que não quero isso para mim. Tu já me chegas. Quando me telefonas a meio da noite ou quando me pedes dinheiro que não tencionas devolver.
Não me parece que a unha ame o seu fungo. Não consegue livrar-se dele, mas não o ama mais por isso.
E eu não te amo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Nem às paredes confesso de António Alvarez


Capítulo III – Loucos de Lisboa

Iam saindo do barco em fila indiana quais “formigas no carreiro”. Cá fora do lado esquerdo da gare marítima avistava-se a Praça do Comércio. Os táxis perfilavam-se à espera de alguns clientes que fossem para mais longe. Os seus condutores, junto das bagageiras abertas, esperavam pacientemente para colocarem alguma mala que os clientes pudessem trazer. O João, de mochila às costas, olhava com cara de espanto a multidão bem como a ida e vinda dos autocarros e eléctricos que cruzavam a avenida. Álvaro olhou para trás e reparou nos “olhos cheios” da grande cidade do seu companheiro de viagem.
- Nunca tinhas visto tanta gente… Não é João?
- É verdade Sr. Álvaro! Isto é um “mundo” – respondeu-lhe com um tom de voz extasiada. – Já tinha visto na televisão e já me tinham falado mas – e inspirou – isto é muito diferente do que eu imaginara…
- Bom, rapaz, daqui ao Largo de Camões faz-se bem a pé. Mas afinal para onde é que vais concretamente?
- Vou para uma pensão que fica ao pé do Largo de Camões.
 Parou e tirou um papel dentro do bolso esquerdo: “Pensão Casa de S. Mamede”, que fica na Rua da Escola Politécnica.
- Bom! Vamos que ter de andar mais um pouco. Prepara-te, porque, a determinada altura, é sempre a subir.
João olhou para o Cais das Colunas, onde as águas do Tejo subiam até meio da escadaria. O mar fascinava-o. Ainda que não fosse propriamente o mar, era uma imensidão de água até à Outra Banda. Os barcos, de todos os tipos, atravessavam aquela “avenida” em várias direcções. Não tinha nada a ver com o rio Almansor, onde em criança tinha brincado lá em Montemor-o-Novo. Lembrava-se agora dos seus companheiros de infância. O Quim, filho do “Sor” Zé Padeiro, e o Chico Cebola, com quem brincava junto ao “campo da feira”. Esses “tempos” já lá iam... Agora estava em Lisboa para começar uma nova vida. Iria conhecer novas pessoas, fazer novos amigos e ter um emprego. Era essa a sua grande expectativa...
Tinham atravessado a avenida e agora cruzavam a praça junto à estátua de D. José I. O dia estava luminoso apesar do “friozinho” que se fazia sentir. Lado a lado iam em direcção à Rua do Ouro. O barulho dos autocarros, dos automóveis e das motos quase que os levava a não falarem muito. Passaram por um cego que tocava acordeão. João, tendo ficado a olhar para trás, esbarrou num homem que vinha em sentido contrário.
- Eh pá! Vê lá por onde andas – disse-lhe o transeunte, que seguiu o seu caminho.
- Desculpe! Foi sem querer… — respondeu-lhe o mais educadamente possível.
- João, aqui está na cidade. Toda a gente anda no “corre-corre” – disse Álvaro sorrindo.
– Depressa te vais habituar.
A rua fervilhava de gente que se cruzava num vaivém apressado. O João caminhava lado a lado com Álvaro e, mentalmente, comparava a sua terra com a grande cidade. Aí todos se cumprimentavam e o “andamento” era bastante mais pausado. Lembrava-se quando miúdo das brincadeiras que tinham na rua. Ali de certeza seria impossível os miúdos brincarem “cá fora”.
- Então passa-se alguma coisa?
- O quê Sr. Álvaro?
- Vais tão sisudo que eu perguntei se tens alguma coisa.
- Ah não... Não é nada – respondeu. – Estava cá a magicar com os meus botões...
- Se calhar era melhor pararmos aí numa “tasca” e comermos alguma coisa. Ou tens hora marcada de chegar?
- Não tenho. E realmente também já estou a sentir alguma “lambrica” no estômago.
- Óptimo! Então conheço ali uma tasquinha no Bairro Alto que se come divinalmente. Chama-se As Cegonhas.
Iam subindo a Rua do Carmo em direcção ao Chiado. Mais um pouco e estariam a almoçar descansados da viagem.
- “Olhó 27! Anda amanhã à roda” – o pregão do cauteleiro sobrepunha-se ao barulho envolvente. Um “chiar” de travões a fundo e um “baque” fez voltá-los a cabeça donde há pouco viera a voz ouvida. O corpo deitado inanimado no chão rapidamente juntara à sua volta os transeuntes curiosos. Alguém clamava: “Chamem o 115 depressa!” Álvaro entrou nos Armazéns do Grandela e pediu à empregada do balcão da recepção que chamassem a ambulância. João ficara como que paralisado a olhar a cena. Da Valentim de Carvalho, mesmo em frente, saía o som da música Chico Fininho, de Rui Veloso. Dois jovens olhavam a montra com os últimos sucessos da música. Ao lado deles um velho de chapéu na mão pedia esmola quase encostado aos seus pés...
- Onde eu me vim meter!... – disse em sussurro.