segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um Modo de Vida de Célio Passos.


Rafael Pinto desligou o telemóvel. A chamada era da mãe, que queria saber como tinha corrido a entrevista. Tinha compulsivamente respondido a um anúncio para repositor num hipermercado, condição imposta pelos pais para continuar a viver debaixo do mesmo teto. Já viveu do subsídio de desemprego, várias vezes, situação que acha deveras interessante. Quando se aproximava a data do fim do subsídio, arranjava um trabalhinho que desse para depois arranjar novo subsídio. É assim o mundo de Rafael. Contudo, em casa os pais azucrinavam-lhe a cabeça. Durante o pouco tempo que passava em casa, o pai, principalmente, adjetivava o filho de preguiçoso, indolente, inútil, mandrião e outros impropérios.
Escarrapachado no sofá da sala de jantar, com os pés em cima da mesa de vidro, Rafael, com ar desmazelado, ouvia o noticiário de um dos canais nacionais. O pivô do telejornal referia a alta taxa de desemprego, e que «uma saída para os desempregados era a emigração». A notícia entrou-lhe por um ouvido e ficou presa nas circunvalações cerebrais; não saiu pelo outro ouvido, como era habitual. Emigrar? Porquê que nunca pensei nisso? Era uma solução! Deixava de ouvir os velhos, visitava novos países e, depois de abanar a árvore das patacas, regressava ao lar como um senhor. E para onde hei de emigrar? Claro! Brasil. O Lula pôs aquele país a andar; aquilo está a dar grana, há emprego à ganância e bem pago. O Tó Miranda e o Zé Bicicleta foram há um ano para lá e já se orientaram, nem pensam em voltar. Durante a semana a ideia foi germinando. Na sexta-feira, que era dia de ir para a brincadeira, Rafael produziu-se: colocou umas calças brancas, uma t-shirt com tons de verde e amarelo e foi ter com o grupo habitual.
- Oi galera. Hoje não tou para aporrinhações, nada de sapatonas, tou noutra. Não quero ser engabelado, nada de sacanagem comigo não! Caras, me chamem de Rafinho!
O pessoal ficou espantando com o ar carioca e o sotaque brasileiro, e a pergunta foi óbvia: o que se passa Rafael?
-Na minha cuca está zanzando um barato. Vou para o Braziu!
O pessoal ficou muito surpreso com esta atitude atrevida do amigo, mas nada disseram, apesar de soltarem uns risos mal disfarçados. O tempo escorria e Rafael continuava a repositar, e deixou de falar no sotaque brasileiro. Os amigos nada questionaram. Certa sexta-feira Rafael chegou ao local de encontro, vestia umas calças de bombazina escuras e camisola de gola alta, apesar de o tempo não justificar tais adereços.
- God kveld. Er alt i orden?
Os amigos ficaram aparvalhados. Perguntaram-lhe o que aquilo queria dizer. Rafael, já com um ar nórdico, disse que era norueguês.
- Afinal, aquilo no Brasil, não era assim tão fácil. Não era terra para eu, o calor é muito. A Noruega, essa sim, será o meu destino. Um país com um nível de vida dos mais elevados do mundo, a condizer com o que pretendo. Um amigo de escola que está em Oslo a tirar o doutoramento disse-me que arranjava um emprego - afirmava Rafael.
As sextas-feiras foram-se passando e Rafael voltou a vestir as velhas calças de ganga e a t-shirt dos «Stones». Os amigos perguntaram-lhe quando é que ele ia para a Noruega. Rafael justificou que descartou a ideia, porque sofria de frieiras e o clima não era apropriado.
A conversa com os amigos passou a centrar-se no «sonho americano». Isso sim era um país para se singrar na vida. Os amigos até o ouviram, por várias vezes, numa voz tímida, a dizer num inglês a rondar a perfeição: «Yes, I can!»
Mas Rafael lá continuava a «repositar» no hipermercado, mas uma nova ideia crepitava no seu cérebro. A solução ouviu de uns políticos que sugeriam aos cidadãos desempregados, para os mais e menos habilitados, a especialização no estrangeiro; arranjar competências e depois regressar ao país. Rafael sentiu-se incluído. A única dúvida era saber em que se especializar. Mas a verdade é que Rafael desapareceu de circulação. Passados uns meses, um dos amigos viu-o a passar na Baixa, todo produzido como se fosse para um casamento. Numa tentativa inútil de fugir ao encontro do amigo, foi confrontado a explicar a razão daquele preparo e qual era o seu novo modo de vida. Metendo os pés pelas mãos, lá foi explicando o que andava a fazer, e assegurou-lhe que o emprego tinha muito futuro. O amigo estranhou, mas perguntou-lhe se tinha que andar assim vestido. Respondeu que fazia parte da profissão. «E como que se chama essa indumentária?», perguntou o amigo. Com ar um pouco contrafeito, Rafael lá foi dizendo: «Fraque.»*   


* Homem do fraque = cobranças difíceis.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Final de Verão de Manuel Vasquez.


No final das férias vem um tempo meio quente e fresco. Em geral sempre me habituei a ver este tempo com alegria. Repousante tempo de fim de Verão.
Em tempos, quando andava na escola, sabia que o fim das férias grandes estava próximo e o cheiro dos cadernos novos, dos lápis de cores, as canetas, a mala, enfim o regresso às carteiras, rever os colegas, aprender e também sofrer.
Hoje, o trabalho, aturar cada chefe que me dá vontade de dizer: “Não tens mais ninguém a quem que chatear.”
Mas quero contar algo deste final de Verão e fim de férias. Estamos no fim de Setembro e o Verão, esse, diz adeus. As noites esfriam, as madrugadas obrigam-nos a puxar a cobertura na cama e a companhia tão boa nos aconchega, enfim.
Ao entardecer, encontram-se amigos e gentes à beira de um porto piscatório que conheço e que encontro prazer ouvindo antigas histórias e contos de pasmar. Será mais que Nau Catrineta, mas na tasca do Zé Pescador bebe --se um copo de vinho branco ou tinto e come-
-se uns tremoços salgados, umas favas salgadas secas, um peixe frito, ou um queijito da cunhada do monte. O Zé, homem do mar, tinha no rosto cores, traços e cicatrizes de quem viu muito: peixe, ondas, mar e terror. Nas suas brancas patilhas, no seu bigode farto e no barrete preto sentia-se que viu tanto e muito mais do que qualquer dos mortais. Sabia que tinha, por diversas vezes, visto a morte sobressair e alguém querido e companheiro partir. Ele sabia de mar, de marés, de peixe, de vento e até de estações do ano, ganhos e perdas.
Um dia, quando ele estava de feição, ouvi-o contar um conto do mar, de antigo pescar, quase me lembrando do Velho e o Mar de Hemingway, pois ele sabia que o mar dava e tirava e com quem conversava numa chata ou num barco de maior ou menor porte.

«Um dia — disse — estava eu e os meus irmãos da faina, redes aprumadas, barco pronto e já em mar solto e largo, quando se levantou uma tempestade. Tempestade daquelas que nem se esquece, mesmo vivo ou morto. A água, as ondas, o vento, o céu cinzento e preto, nem Sol, nem Lua, íamos sofrer, quem sabe?, morrer. Ondas se levantavam, molhados estávamos, mas o que sentíamos era medo, gritávamos por Jesus — «Maria, salva-nos por favor.» Faziam-se promessas, lembravam-se pais, filhos e mulheres, paixões, lágrimas e horror de ir talvez morrer. O barco exigia mestria e o mestre respondia. O motor, esse, ainda nem falhava, mas a força daquele mar, ai que dor Senhor. O mestre mandou atirar tudo pela borda fora — redes, peixe e tudo o mais — mas queríamos viver. Ninguém tinha medo, ninguém tinha receio, mas todos o tínhamos dentro e sofríamos ao saber o que poderia acontecer. Dor, luta, e já tínhamos visto corpos de companheiros e sabíamos o que mais viria. Coletes vestidos, botas tiradas, ai meu Deus, dói-me aqui mesmo no peito. De repente o barco quebrou e afundou-se. Bóias lançadas, tudo gritava: «Vamos, vamos gente, gosto e força, fé e Deus nos deixará sobreviver». A descrição subia de tom e nem se piava nesse dia na Tasca, todos sabíamos que aquilo que estava a deixar tradição, herança e ainda mais era a vida e a morte de alguém.
O nosso prezado amigo, que estava vivo, mas muito sofrido, contou-nos que, entre lágrimas e dor, suspiros e mais, em mar encapelado e sublime, ele e os outros viram a “morte”. Todos na água, todos lívidos e águas revoltas, diziam: «Vão morrer.» Rezava-se com o coração, pedia-se perdão, pedia-se por tudo e por todos, mas a vida ali estava por um fio. O Quim foi abaixo, perdeu os sentidos e todos gritavam: «Força Quim, olha a tua mãe.» Ele, fraco e de carnes magras, foi-se abaixo e perdeu a vida ali mesmo. Silêncio entre ruídos de vento tenebroso. Quim era filho da terra, era órfão de pai morto também no mar, a sua mãe criou-o e a mais cinco filhos. A Dona Miquelina, hoje tão velha, não iria aguentar e nós talvez também iríamos morrer ali, em mar de sonho e terror. Na penumbra da noite, na escuridão assombrada, surgiu uma luz, seria Deus a pedir a nossa presença, o nosso juízo, ou seria a salvação.
Um barco cinzento-escuro, de homens a gritar: «Aguentem, que os vamos socorrer.» Tudo gritava e até o chão que era mar parecia querer nos tragar.
Ai dor, ai sofrer de pescador, dar mais este brindar à vida. A marinha de guerra foi nesse dia a nossa salvação e conseguimos levar o corpo do Quim.
Entre choro e calor da manta e capote, bebida quente, chorávamos e dizíamos: «Arre porra de mar, nossa alegria e morte.»
Que contar mais o que se passou nesse dia na tal tasca? Gerou-se amizade e respeito, chorou-se, bebeu-se à saúde dos vivos e lembrou-se quem morreu. Ser pescador é mais que tirar peixe do mar, é saber, é também sofrer.
Um dia se passarem pela Tasca do Zé, por favor, não digam que a descrição é e será sempre de dor e nada de rancor, mas digo-vos, quando vou comprar peixe, lembro-me que, para além do aspecto do mesmo, se está fresco ou bom, terá por certo homens e mulheres, crianças e velhos com alguma dor.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Um novo dia de Eliane F. C. Lima.


Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ - Brasil)

Com os olhos ainda fechados – tentativa de não acordar de todo –, quis se espreguiçar longamente... mas, em vez de sentir os músculos se estirando, nada sentiu. Ao mesmo tempo, havia uma sensação vaga, alguma coisa que devia lembrar.
Tornou a tentar alongar os braços e pernas, só para testar, mas ainda agora não conseguia aquela sensação gostosa de todas as manhãs.
Mesmo contra a vontade, começou a arriscar a abrir os olhos. Muito devagar, era o truque que tinha desenvolvido para entrar aos poucos em contato com a realidade. Realidade, porém, era uma palavra que não parecia calhar com a situação.
Tentando abrir os olhos, pálpebras pesadas ainda, não viu a luz da janela. Então era isso, vai ver que não tinha amanhecido, nem madrugada fosse. O cérebro se recusava a engrenar fora do horário.
Se não via, queria ouvir o que se passava em volta, pois havia algum som, havia. Um rumor vago, parecia sussurro. Era um som conhecido, que não conseguia identificar exatamente. Choro? Era choro? Um lamentoso choro de sofrimento, que estranho! Alguém estava chorando.
Um sonho, com certeza. Aquela impossibilidade de se mexer, de abrir os olhos, de ouvir com clareza. Em sonho era sempre assim. Na verdade, começou a sentir um leve sobressalto. Mais do que sonho, pesadelo.
Mas havia um cheiro. Contínuo, envolvente. Entrando pelas narinas. Um perfume, quem sabe. De flor. Meio nauseante.
O sobressalto começou a se transformar em pânico. Havia um fato para ser lembrado. Precisava se lembrar do que tinha de ser lembrado. Era como se houvesse uma urgência naquilo. Talvez fosse a chave para acordar.

De repente, saindo das profundezas do inconsciente, a lembrança veio. Avassaladora. Tremendo da cabeça aos pés, todos os seus sentidos se conectaram. E, retesada cada parte de seu ser, levitou acima de todas as flores em que estava mergulhado, de todas as pessoas taciturnas, que o olhavam, lamentosamente, e partiu pela janela, finalmente, acordado.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Nem às paredes confesso de António Alvarez.

Capítulo V -  «Quentes e boas»


«Quentes e boas! Quentes e boas!» – o pregão vinha da boca de um velhote que, junto a uma motoreta, sacudia o assador de castanhas.
O mês de Novembro ia frio e os transeuntes usavam as suas roupas mais quentes. Quer grandes ou pequenos apressavam o passo na direção dos transportes que iriam apanhar de regresso a suas casas.
O Cais do Sodré apresentava-se naquele fim de tarde de inverno com uma infinidade de trânsito assustadora. Os autocarros e elétricos passavam apinhados de gente que regressava a suas casas. Os carros acendiam as luzes de presença porque o sol se escondia atrás de nuvens cinzentonas e a claridade era como que um «lusco-fusco».
João caminhava junto da sua amiga Ana Luísa em direção à estação.
- Ana, que tal umas castanhas? Apetece-te?
- Acho que sim – respondeu. – Com este friozinho vem mesmo a calhar.
- Então quantas vão ser «meus meninos»? Uma dúzia ou mais? – perguntou o velhote na esperança de mais um dinheirito que iria colocar no bolso das calças já coçadas.
- Uma dúzia se faz favor – respondeu João enquanto tirava o porta-moedas do bolso do casaco.
Ana Júlia era estudante de jornalismo e ambicionava fazer carreira no Diário de Notícias. Para isso contava com um amigo do tio que trabalhava na redação desse jornal. Tinha 22 anos e, tal como João, tinha vindo imigrada para Lisboa. A sua família era também do Alentejo, concretamente do Ciborro, uma pequena aldeia pertencente ao concelho de Montemor-o-Novo. Talvez fora isso que os fizera aproximar ou tão-só a coincidência de gostarem ambos de jornalismo.
- Estão tão quentes que até queimam! – queixou-se Ana.
- É verdade – retorquiu João.
Caminhando, foram subindo a Rua do Alecrim em direção ao Chiado.
Aquela sexta-feira era o culminar de uma semana e o início de um descanso merecido. As luzes dos candeeiros tinham-se entretanto acendido e a claridade que deles emanava dava um toque de «velha dama» à cidade.
- Ana, achas que daria para jantarmos um destes dias? Eu pago! – apressou-se a dizer.
- Porque não. Quando eu tiver uma folga da faculdade combinamos isso – respondeu Ana, com um esboço de sorriso nos lábios.
João sentiu-se como um «miúdo pequeno» a quem alguém lhe prometera uma guloseima.

……………

Álvaro contemplava a paisagem e reparava nas casas que do outro lado do rio iam aparecendo como que de pirilampos se tratassem. Quase não dava conta do cigarro que ia queimando no cinzeiro do parapeito da janela.
Entretanto, o seu pensamento ia voando por um passado ainda recente. O dar a mão ao João era das melhores coisas que fizera na vida. Quem lhe dera a ele, quando ali tinha chegado, ter havido alguém que lhe tivesse feito o mesmo. Mas a vida é mesmo isso.
Ouviu, vindo das escadas, passos de duas pessoas que vinham subindo.
- Quem será?, pensou.
- Sr. Álvaro, dá licença que a minha amiga Ana Júlia entre?
- Entrem os dois com certeza. Lá fora é que não vão ficar, claro!
- Deixa-me que te apresente o Sr. Álvaro Fontes de quem já te tinha falado.
- Prazer, Sr. Álvaro. Chamo-me Ana Júlia – e esticou a mão cerimoniosamente.        
- Muito prazer, Ana! Entra e senta-te à vontade – retribuindo o cumprimento. - E tu, João, como é que foi o dia? Muito trabalho?
- Menos mal, Sr. Álvaro. A «rotativa» avariou mas o mecânico conseguiu resolver o problema.
Ali reunidos, em pleno «coração» da cidade, três alentejanos que tinham «fugido» da província e que procuravam o seu futuro na capital. Tal como eles, muitos outros buscavam o «el dorado» e uma vida melhor. O futuro seria o que fosse. 

(Continua)



terça-feira, 15 de outubro de 2013

Só, numa estrada só sua de Cristina Barbosa.


Adelaide convencia-se cada vez mais que a vida era feita de pequenos nadas. Coisas nas quais nem sempre reparava, mas que, sabia, faziam sentido. Teve a certeza disso enquanto se dirigia para o consultório médico.
Estava sentada à espera, há minutos, numa sala que era ponto de encontro de alívios, para uns, e de dramas e angústia, para outros. Para uns, “esteja tranquilo, que não morre disto”. Outros tinham menos sorte. Descansar e sobreviver eram coisas bem diferentes, separadas por uma grande distância. Qualquer resultado que ali fosse transmitido aos pacientes não era necessariamente sinónimo de vida ou de morte. De medo, apenas. E receio. Incerteza também.
De repente, a sala fora-se despindo de pessoas. Só restava ela. Ela e o recepcionista. A televisão interrompia um silêncio algo incómodo. Ela temerosa. Ele imaginava a mágoa dela. Não se preocupava muito, contudo. O seu trabalho, pensava ele, não era consolar ninguém. Não havia, por isso, olhares constantes de compreensão, de apoio. Alguns sorrisos, apenas. E indiferença fingida. Os problemas dos outros não eram os seus problemas. Também ninguém lhe perguntava se estava bem e, tantas vezes, precisava de sentir alguma preocupação, verdadeira preocupação, da parte daqueles que se cruzavam consigo diariamente.
O homem pôs a televisão um pouco mais alto. O silêncio incomodava-o também, afligia-o. Já lhe bastava em casa. Um silêncio de consentimento, que era mais aprovação sem discussão. E, do pouco que passava em casa, havia sempre mil e uma ocupações a desviar a sua atenção dela. Quase pareciam incomunicáveis. Havia entre eles metros e metros de coisas por dizer. Pareciam viver, frequentemente, dias em que o mundo lhes virava as costas. Nada diziam, nada perguntavam, nada parecia ter importância.
Adelaide, inquieta, levantara-se, entretanto. Olhava, pela janela, o jardim ali perto. Aquele que, dizia com frequência, era o jardim mais bonito que conhecia. Mesmo a caminho do Verão, uma chuva miudinha caía de um céu cinzento. Lá fora, a vida parecia continuar. Na rua, meia dúzia de pessoas apanhadas de surpresa pelo tempo menos simpático apressavam o passo, outras cobriam a cabeça com o capuz, outras não revelavam qualquer incómodo.
O telemóvel tocou, de novo. Adelaide ignorou a chamada, como fizera minutos antes. Depois desligou-o, por fim. A paciente anterior saiu do consultório. Ela avançou timidamente, a medo. Aquele momento era, na verdade, um pedaço de memória que se atravessava na sua vida. Um pedaço de memória que era sinónimo de tristeza. De medo também.
– Olhe, desculpe.
Face à ausência de resposta, a mulher, Matilde, chamou-o, de novo:
– Desculpe, senhor. Tenho consulta marcada, mas atrasei-me um pouco.
O recepcionista disse que não havia problema e sorriu; depois preencheu uma série de dados na ficha de Matilde.
A paciente anterior tinha já saído. Adelaide, até então última paciente do dia, tinha já entrado. Naquele momento, o médico dizia-lhe que os resultados não eram, de todo, animadores. Ninguém sabia que ali estava. Ninguém – familiares ou amigos – desconfiava dos seus medos e receios. Ninguém sabia que temia pela vida. Decidida, não queria fazer ninguém sofrer por antecipação.

Se tudo corresse bem, a uma distância segura, contar-lhes-ia, tudo. Para já, sofria ela, unicamente. Só.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Fuga de Célio Passos.


«Esta madrugada, na estrada nacional junto à Urbanização Sol Nascente, foi encontrado sem vida o empresário Almiro Norte Sobrado. O conhecido empresário do ramo de transportes da construção civil e vereador da câmara municipal foi encontrado sem vida pelo pessoal da ambulância da emergência médica que passava naquele local. O delegado de saúde que se deslocou ao local disse ao nosso jornal que a morte teria ocorrido entre as 2 e as 3 da madrugada, sendo a causa da mesma um traumatismo craniano, por ter embatido, violentamente, com a cabeça na berma do passeio. Era evidente que se tratava de um atropelamento com fuga do condutor. O caso está entregue à polícia», lia-se na primeira página do jornal da vila A Nossa Terra.
Cassiano Fortes dobrou o jornal e bebeu o café que o empregado colocara à sua frente. Estava nervoso e apreensivo. Na noite anterior tinha bebido um pouco demais, no jantar que realizou com o pessoal da sua firma, para aumentar a auto-estima dos seus colaboradores, depois de um ano que não tinha corrido conforme os seus desejos. Um dos seus empregados, vendo o estado eufórico do patrão, ofereceu-se para levá-lo a casa, mas este recusou, dizendo que estava em condições de conduzir. Meteu-se no seu BMW azul-escuro, e rumou em direcção à sua moradia, numa urbanização uns quilómetros à frente da Urbanização Sol Nascente.
Como já era tarde e não havia trânsito, conduzia demasiado depressa. O álcool tomara conta da condução. A zona era pouco iluminada e o BMW ia com os faróis nos mínimos. Por entre os carros estacionados, alguém atravessou a estrada. Talvez apanhado desprevenido ou por distracção, não se apercebeu de um carro que se aproximava a alta velocidade. Cassiano travou, com violência, a destempo. A reacção ao imprevisto, devido ao excesso de álcool ingerido, foi lenta, deixando marcada no asfalto a borracha dos pneus. O peão não teve tempo para recuar, bateu mesmo na frente do carro, sendo projectado por cima da capota, e saiu pelo lado esquerdo, voando até bater no passeio. Cassiano parou o veículo, saiu do BMW, aproximou-se do atropelado e verificou que este sangrava abundantemente da cabeça e saía sangue pelos ouvidos. Deslocou um pouco o corpo para verificar melhor o estado da vítima, e viu que se tratava de Almiro Sobrado, seu concorrente industrial e adversário político na câmara. Não se via vivalma, o trânsito era inexistente. Almiro já não se mexia e Cassiano ficou petrificado. O pânico tomou-o de assalto. Correu para o carro, colocou o veículo em marcha e fugiu. Não seguiu para casa, deixou o BMW frente à firma, num lugar meio esconso, e foi levantar um jipe. Seguiu para casa por outra estrada. Sentimentos contraditórios afloravam-lhe o espírito. Uma morte é sempre de lamentar, mas ele não teve culpa, o Almiro não tinha tomado as devidas precauções. Não gostava dele, mas nunca desejou a sua morte, para mais nestas condições. Reconhecia-lhe qualidades como empresário, como político deixava muito a desejar. Apesar de ser um colega da concorrência, reconheceu que a sua morte facilitaria a sua vida profissional, bem como a sua vida na câmara. Era o lado negro do seu ser a aflorar. Abanou a cabeça como para afastar pensamentos tão perversos.  
Na morgue e depois da autópsia, a polícia começou a averiguar. Um elemento encontrado num dos sapatos do cadáver foi um bocado de tinta azul-escura, arrancada provavelmente do veículo, aquando do embate, porque testemunhas visuais não existiam. A polícia pôs-se em campo fazendo o levantamento de automóveis de cor azul existentes na vila e encarando a hipótese de o condutor viver na vila, o que podia não acontecer.
Sete foram os automóveis identificados. A polícia começou a fazer as suas diligências. Seis dos proprietários dos automóveis tinham álibi, e, verificados os veículos, nenhum apresentava qualquer amassadela que pudesse tido provocado um atropelamento com as características do caso em apreço. Faltava verificar um veículo. Na lista da polícia, faltava peritar o automóvel do Sr. Cassiano Fortes. Prevendo que tal viesse a acontecer, Cassiano, no dia seguinte após o acidente, ainda o sol mal tinha aparecido no horizonte, foi buscar o BMW e deslocou-se ao stand na cidade, distante da vila trinta quilómetros, onde comprara recentemente o BMW. Alegando que tinha atropelado um animal junto à sua moradia, solicitou que lhe reparassem, na hora, os estragos. Como bom cliente que era, substituíram as partes amolgadas por novas, restituindo ao BMW o aspecto como saindo daquele momento do stand. Sendo um alvo preferencial da polícia, por saberem que os dois tinham motivos de sobra para desejar o mal um do outro, aprofundaram mais a investigação e foram interrogar os empregados que na noite anterior tinham jantado com ele, para saberem em que veículo se deslocara para o jantar. Nenhum dos empregados conseguiu responder, porque o patrão foi o último a chegar e o primeiro a sair. Podia ter sido o BMW ou um jipe que utilizava a maior parte das vezes. O único aspecto relevante, dito por vários dos seus funcionários, era que o patrão, contra o costume, só apareceu no dia seguinte na firma, já a meio da tarde. A polícia, ao peritar o BMW de Cassiano, não encontrou indício nenhum que o incriminasse e, como continuava com suspeitas, o processo ficou a aguardar melhor prova.

Cassiano passava os dias no gabinete, o que não era normal. Os empregados estranhavam a apatia do patrão. Saía da firma e ia directo para casa. Quando algo corria mal nos transportes, não resmungava nem queria saber a razão do serviço ter sido mal efectuado. Um dos camiões teve um acidente e ficou bastante danificado, foi como nada se tivesse passado. Em casa não falava, só se fosse forçado a tal. Faltou à sessão da câmara. A sua consciência balouçava. Sabia que um atropelamento com fuga era considerado crime, mas, por outro lado, foi involuntário o que aconteceu. Faltava saber se as autoridades acreditavam nele. Nunca era tarde para assumir responsabilidades. Dirigiu-se à GNR da vila, estacionou o automóvel do outro lado da rua e ficou a olhar para o posto. Ponderou as vantagens e desvantagens do passo que ia dar. Por um lado, sem concorrência, os seus negócios iam melhorar consideravelmente e na câmara era mais um vereador que deixava de incomodar; por outro, sentia a consciência pesada por não assumir o atropelamento, apesar de não ter culpa nenhuma. Começou a suar abundantemente e no peito uma dor começou a incomodar. Teve uma tontura, fechou os olhos. Um guarda que estava à porta viu-o a chegar e estranhou o facto de Cassiano estar imóvel dentro do carro já há bastante tempo. Algo se passava. Avisou o chefe e dirigiu-se ao automóvel. Cassiano estava como adormecido. Quando o guarda abriu a porta, tocou com a mão no ombro de Cassiano e este caiu sobre o volante. Pediu auxílio médico de imediato. Quando chegou a ambulância, foi só para confirmar o óbito. Cassiano tinha tido um ataque cardíaco fulminante.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A Agenda Mágica de Helena João.


Saiu intempestivamente e bateu com a porta. Não tinha sorte nenhuma com os homens, de facto. Aos 35 anos, Mariana ainda não encontrara aquilo que todos procuram, muitos acham que encontram e alguns, felizardos nascidos sob o auspício de uma boa estrela, realmente encontram.
Quando regressou a casa, já era noite e ele já partira levando as suas coisas e uma parte da alma dela. Decidiu sacudir a monótona tristeza que pressentia já a instalar-se navegando na internet. Gostava de viajar no mundo dos blogues, lendo outras vidas, incansáveis como a sua, num blogue diferente. Chamava-se jannetbyjannet  e  lá  se  mostravam  os  criativos  talentos  de uma  mulher  com  gosto  pelos  trabalhos  manuais.  Todas as peças eram únicas e era-lhes emprestado pela autora um cunho pessoal de amor e ternura. Sem se dar conta, Mariana viajou de volta à infância, tempos de inocência e despreocupação, tempos em que ela própria adorava fazer a roupa das suas bonecas. Perdida nas memórias e pensamentos, continuou a navegar pelo blogue e deparou-se com o projeto da autora para o Natal desse ano. As agendas transportaram-na, desta vez, para a adolescência, altura em que adorava escrever e manter diários. Resolveu encomendar uma, como presente de si para si, um miminho que também merecia! Enviou o e-mail da encomenda e foi dormir. Nessa noite dormiu abraçada a boas recordações e conseguiu pôr de lado a amargura de se sentir sem rumo.

A encomenda chegou duas semanas depois. Abriu a caixa com o cuidado de quem pega no primeiro filho e de lá retirou a agenda. Com o mesmo cuidado maternal, folheou-a e abriu-a no mês de Junho. Segunda-feira, dia 10, fará as 40 semanas. Poderá nascer um bocadinho antes ou um bocadinho depois. Não importa. Vai ser uma menina e a agenda será dela.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Invulgar de Eliane F.C.Lima


Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ - Brasil)

As calçadas estavam cobertas de flores lilases, que não se sentiam constrangidas por se esparramarem até o asfalto.
Na primavera – era primavera! –, as glicínias, que se estendiam por sobre todos os muros das casas, irreverentes e espaçosas, transbordavam para fora, tomando conta de tudo. O passante se sentia homenageado, tendo aquele tapete desdobrado para si.
A rua era famosa pelo colorido aveludado. Mas, nem por isso, abria mão de ser silenciosa e requintada. Vez ou outra passava um carro, caro, importado, da mesma gente que mantinha aqueles jardins cuidados, aquele silêncio perfumado e cromático.
Mas, nem por isso ainda, naquele dia, deixou de haver um corpo caído no meio das flores, atrevendo-se a manchar-lhes a suavidade lilás com seu vermelho impudico e derramado.
Mas não foi só: o atrevimento se estendeu aos carros de polícia que também ousaram quebrar o refinamento estabelecido para veículos e vieram se postar ao longo do meio-fio. E violentaram o silêncio dos requintados com suas sirenes obscenas.
E houve mais: as fotos da imprensa, que se avolumou nas calçadas, em volta das árvores, encostando-se nos muros violáceos, que quase se encolhiam com a ousadia.
E aqueles pés, atrevidos, pela primeira vez, coagiram as flores lilases, ofendidas ante a surpresa da invasão.
Agradeço ao site “Márcia Jardinagem” 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Melodia de um dia sem nome de Cristina Barbosa.


Uns metros adiante, parou o carro. O rapaz corria na sua direcção. Cansado, desapontado, prestes a perder as forças. Óscar vira-o pelo espelho retrovisor. Era noite, madrugada já, bem vistas as coisas. Assustava-o que pudesse ser um ladrão. As notícias a que todos os dias tinha acesso deixavam-no naturalmente alarmado.
Por isso mesmo, ponderava o que fazer. «Rápido» – exigia a si mesmo –, «que o rapaz havia de estar a aproximar-se.»
– Ora bolas, que raio de sorte a minha – vociferou Óscar.
Há muito que não fazia aquele turno até às duas da manhã e, logo na noite em que ficara, o que lhe havia de acontecer. Já não bastava não gostar de andar só durante noite. O seu horóscopo também não era muito favorável naquele dia. Procurava convencer-se de que não acreditava em previsões, mas, mesmo assim, algo havia que o atemorizava.
Viu um vulto surgir na curva. Sem hesitar, acelerou. Desapareceu daquele lugar num instante e, sem que pudesse reagir, algo se cruzou no seu caminho e voou sobre o capot.
Óscar encostou-se ao assento, assustado. Entre as mãos, segurava não o volante, mas a coberta da cama.
– Se eu pudesse, fazia o percurso a pé todos os dias – dizia um homem, na cama ao lado. – Mas tenho aqui um mal num pé que mo não permite – lamentou.
– Mas, se pudesse, havia de ir até ao hospital a pé – continuou, após alguns segundos em silêncio. – Olhe que vinha.
Óscar olhou-o e acenou positivamente com a cabeça, ainda que confuso. Não sabia exactamente onde estava nem percebia a razão pela qual o homem falava sozinho.
«Estarei num hospício», pensou, sorrindo animado. Procurava, assim, distrair-se.
– Dói-me muito este pé – disse o homem, apontando para o pé direito. Tinha tanto para dizer, sufocado que se sentia por aquele silêncio.
 – Mas aqui no hospital vejo que nada tenho, comparado com o mal dos que aqui estão.
Óscar anuiu com um «Pois, é verdade.»
– Imagine só – voltou o homem. – Na semana passada, queixei-me de uma faringite, afonia e alguma febre. Imagine! Do que nos queixamos nós.
Óscar reparou entretanto na melodia que se fazia ouvir pelo quarto. Incómoda. Como um choro verdadeiro, contido. Choro de mágoa e de dor. Certas melodias, pensava, carregavam um peso enorme. Como se suportassem e carregassem a dor do mundo.
Antes mesmo de Óscar pedir, o homem baixou o som.
– Boa música, esta – disse ainda assim.
Óscar nada respondeu. Nem sequer acenou com a cabeça, como fazia para fingir estar atento ao que o homem lhe dizia. Olhava o tecto e pensava. Não dormira naquela noite, mas tinha ainda esperanças de se reconciliar com o sono durante o dia.
– Avô! – ouviu-se bem alto, de repente. Uma menina correu, depois, na direcção do homem da cama ao lado, com duas flores na mão.
– São para ti! – disse, enquanto abraçava o homem, agarrada ao seu pescoço.
– Que bonitas! – exclamou o homem. – Onde as foste arranjar, minha querida?
A pequena afastou-se um pouco. Baixou a cabeça. Parecia ter uma confissão a fazer. Enrolou a pena esquerda na perna direita. Entrelaçou os dedos nervosos. Depois afastou ambas as mãos, voltando logo a cruzá-las.
– Humm… – balbuciou, por fim. – Apanhei num jardim aqui perto. Mas foram só duas, avô – disse, procurando desculpar-se.
O homem sorriu, divertido. Óscar sorriu também. Fossem todos os furtos como o daquelas duas flores.
– São para te animares, enquanto cá estás – continuou a pequena, com o seu melhor sorriso.
O homem puxou-a para perto de si e deu-lhe um grande abraço.
– São bonitas, minha querida!
– Óscar Peixoto?! – perguntou um homem, que se aproximara de Óscar, alheio e indiferente a toda aquela situação ternurenta que ali se vivenciava.
– Desculpe? – perguntou Óscar.
O homem, completamente vestido de negro, segurava os óculos escuros.
– O senhor não sabe o seu nome? – perguntou, ripostando.
Óscar nada disse. Não sabia o que fazer, nem sequer o que dizer. Pior que tudo, não conseguia recordar-se de quem era.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Vão-se os anéis, que fiquem os dedos de Helena João.


Manhã cinzenta e miudinha de chuviscos, aquela. Manhã triste, na cidade que teima em não abandonar o Inverno. Manhã triste, nela que leva a morte na alma. Mas só na alma leva a morte. Quem a observar, atentamente, vê uma septuagenária bem arranjada. Os cabelos brancos de prata estão apanhados num carrapito no alto da cabeça, ladeado por duas travessas. Uma echarpe, em tons de rosa seco, despreocupadamente enrolada à volta do pescoço, protege contra o vento que se faz sentir, enquanto, ao mesmo tempo, ajuda a ocultar as encorrilhas que a gravidade proporciona. O saia-casaco claro, dá-lhe ares de executiva e tira-lhe, pelo menos, uns quinze anos de cima. Os sapatos são rasos. Uma prótese de anca não combina com tacões agulha. Nem o semblante a denuncia. Não é carregado, como se espera em quem leva a morte na alma. Segue pela calçada, em passos decididos, esquecida do vento e da chuva. Esquecida da morte que leva na alma.
Chagando ao destino, estanca, só por uns segundos, à porta. Contempla aquele local onde o bisavô a levara tantas vezes, para apreciar velharias. Aquela loja de penhores é uma das mais antigas da cidade. Remonta ao século XIX, mas decerto já nasceu velha.
Entrou. Lá dentro o tempo não passa. Continua com o mesmo cheiro a  livros encadernados a couro e a folhas amarelecidas. Continua com o mesmo ar de desarrumação arrumada onde apenas o Sr. Zeferino se orienta. Ao fundo fica a estante. Um móvel de madeira de castanho, um pouco carcomido pelo caruncho e pejado de livros. Quem sabe, quantas primeiras edições não se escondem ali? Pelo meio, a divisão ampla, aloja pequenas mesas, cómodas, um ou outro armário camiseiro, secretárias e várias poltronas. Em cima destes móveis um outro mundo se desvenda: discos de vinil, brinquedos antigos, velhos eletrodomésticos, peças de louça, tudo numa amalgama ilógica e colorida. À direita, o balcão das joias. Respira fundo e avança na sua direção. Da bolsa retira algumas jóias que entrega ao velho Zeferino. Observa-o enquanto ele pesa aqueles pedaços do seu passado, um a um. No final, feitas as contas, ainda não chega. A hipoteca sobre a casa é grande, ainda não chega. Fecha os olhos, só por um momento e ouve a bisavó que lhe sussurra “deixa ir o trancelim”. O trancelim de ouro que o bisavô Eduardo dera à bisavó, como prenda de casamento. É passado pelas mulheres da família e agora é dela. E agora é do Sr. Zeferino. Com uma lágrima teimosa deixa ir o trancelim. Agora já chega.
Sai da loja e respira o ar frio da manhã cinzenta. Já não leva a morte na alma. Vão-se os anéis, ficam os dedos. Fica a casa. E com ela fica o fantasma da bisavó, de braço dado com o bisavô Eduardo e o trancelim ao pescoço.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Vida cara de Eliane F. C. Lima


(Conto registrado no Escritório de Direitos Autorais - Rio de Janeiro - Brasil)

Sentada na cama, as tralhas ensacadas. Lágrimas, não há mais. O rosto inchado, apenas observa em volta. Tarefa simples: um armário de duas portas, dentro do cubículo. Calor insuportável no verão; umidade entrando nos ossos no inverno.
            Tinha criado a filha com muito esforço, solteira, ingênua que fora. Nunca se queixou. A menina enchia-lhe a vida. Pobre, muita faxina tinha alimentado suas bocas, pago seu quartinho, a roupa pouca, os livros da pequena. Estudo reduzido, mas muita honradez ensinada pela mãe.
Não tinha podido garantir sua velhice, contudo. Sobrava dinheiro para isso? A mocinha casara cedo, felizmente. Marido era um homem honesto, trabalhador. Nada faltava em casa. Mas sempre renegara a herança da mulher: a mãe.
            Naqueles anos todos, ela, “a velha”, como ele dizia, sem o menor acanhamento, tinha feito tudo para agradar ao genro: lavava as roupas dele, passava com carinho para ver se merecia ao menos consideração. Nada. O homem dizia que aquilo nem correspondia à parte do feijão comido. E o resto? Quarto – quarto? –, luz, água e tudo o mais? Que sina a dele ter de trabalhar o dobro para sustentar boca adicional!
            A filha, muito submissa, reclamava no quarto, à noite. As vozes se alteravam. A senhora se encolhia toda na cama.
            No dia seguinte, a própria mãe abraçava a outra, ambas lacrimosas, e aconselhava que não fizesse aquilo, imagine, atrapalhar sua felicidade. Os homens eram assim mesmo... e onde iria achar outro tão bom, cumpridor de seus deveres? A moça tentava acreditar.
            Agora ele tinha decidido e arranjado tudo. Descoberta uma prima dela, velha também e doente, no interior, tão longe, despachava a sogra para lá.
Saindo pela boca, já, a saudade de sua menina. Mas conformava-se, pensando que libertava a filha para ser feliz. Fosse o que fosse, nunca mais a moça engoliria aqueles desaforos e, afinal – deu um suspiro fundo –, a prima era uma pessoa boa e pacata.
            Um “Mãe, tá na hora”, resgatou-a dos devaneios. Levantou-se, condenado à morte, convocado por guardas e padre que lhe batem à porta.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A Rua Onde Nasci de Manuel Vasquez.


A rua onde nasci fica situada em Lisboa, cidade do meu afecto, do meu amor e da virtude em ser hoje homem.
Foi naquela rua que aprendi a andar, a caminhar para ir para a escola e para a brincadeira e a jogar à bola. Foi também naquela simples rua que um dia parti o vidro da vizinha, que chorei uma paixão não correspondida e fui para a escola primária e mais tarde para o liceu e para a faculdade. Foi lá que me sentei na porta da minha antiga casa e esperei por minha mãe e meu pai, porque afinal nem a chave da porta tinha. Tantas coisas tem a rua onde nascemos que nem sequer as vemos, mas na minha rua até pedras, muros e formas eu conheço. Foi ali que senti calor, frio e chuva e andei de um lado para outro.
Eu tenho uma rua onde nasci e lembro-me dela, recordo-a como se fosse minha, pois no meu coração tem um canto que, ao vê-la, a sinto como se fosse familiar, amada e martírio. Vi por ela passar velhos, novos e miúdos, vi meu filho e minha filha aprenderem a andar. Foi ali mesmo em frente à minha porta que um dia fui noivo para a igreja e me casei e vi chegar tantas vezes meu pai e minha mãe. O que ela lavava e varria. Que saudades tenho da minha rua, tão bela, com as portas de todos os vizinhos que amo. Tenho a lembrança de suportar a dor de os ver também partir.
A rua de Lisboa é identificada, mas falta a história. Foi de pedra basalto, mais tarde alcatroada, esburacada com novos apetrechos e dotes de urbe ou capricho de engenheiro da câmara.
Todos os que por uma rua passam nem imaginam o que se passou e passa — zanga, paixão, dor, amor — e tanto sem ver se sente, nos muros, nas pedras e até nas ervas limpas pelo homem dos serviços municipalizados. As ruas eram lavadas, varridas e mantidas limpas, com lixos, bichos e outros, com muitas coisas e vida havia na rua e há por certo na rua onde nasci.
Recordo que observava de menino o formigueiro que por ali passava e as gentes, o comércio e a luta que despertava e me fazia ver que a vida é mais.
Na rua identificava o Sr. Costa, que numa carrinha Volkswagen, tipo pão-de-forma, vendia pão que eu também ia comprar. Nessa mesma rua vinha um casal — a D. Rosa e Sr. José — com a carroça, com uma égua sublime e forte. Vendiam fruta e legumes e riam, divertiam-me, e sabiam que eu um dia queria ser médico e sou. Também me lembro do homem do «pitrólio», do funileiro que concertava panelas e tachos. Do Ti Amolador e da sua gaita-de-beiços a anunciar chuva, a reparar e a amolar tesouras e facas. Recordo-os com saudade e gosto, todos eles foram meus heróis e vida de ser e gostar.
Quantas cores, odores e amores tive na simples rua e vi flores de Primavera, retive frio de Inverno, recebi granizo no pêlo, calor passei e tanto suei com a recomendação de minha mãe: «Usa sempre chapéu!»
Por aquela serena e discreta rua passaram trabalhadores, operários, presidentes, ministros e mais gente rica e pobre, honrada e imaculada e manchada pela desgraça. Nessa rua minha mãe ensinou-me sempre a olhar as gentes e dizer coragem, esperança, dar, ouvir e nem sempre desconfiar. Com meus pais aprendi o que sou, pois foi isso que aprendi na rua onde nasci.
Na minha rua meu irmão fugiu de uma vaca que se tinha escapado de um barco da zona ribeirinha e que até veio no jornal, colhida nem tanto e hoje esquecida, mas que assustou tudo e todos.
Aprendi ali a conduzir e a saber andar de bicicleta, mas também de patins, ali na minha rua caí e esfolei-me. Tantas coisas aconteceram: revolução, procissão e até conversa amena em noite de Verão. Sentados ao fresco, vizinhos e amigos, era a antiga Lisboa, eram gentes que vinham de fora e se integravam no mundo citadino. Ali havia pedreiros, carpinteiros, doutores e amigos, hoje nunca esquecidos, pois, se nos encontramos, festejamos e adoramos lembrar, ai lembrar, os tempos daquela simples rua de Lisboa.
Vi moças bonitas, casamentos e batizados, funerais e mais que me esqueci, mas houve um dia que chorei e me despedi da minha rua. Meu pai partiu, minha mãe também, fomos eu e meu irmão e chorámos tanto, abraçámo-nos naquela rua que foi nosso berço e embalo, doença e alegria e agora um adeus tenho de dar.
Volto e voltarei ali a passar e direi: «Morei aqui e amei.»
Lembrança forte e terna da rua onde nasci.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Velha de Célio Passos.


Numa vila do interior minhoto, vivia uma velha que ninguém sabia de onde é que tinha vindo. Não nascera na terra, não tinha parentes, e sobre a sua idade ninguém sabia, nem ela própria. Seu nome? Dizia que se chamava Maria. Maria quê? Com um olhar a perder-se no infinito, repetia: Maria!
Havia gente que simpatizava com ela, outras achavam que era uma bruxa, e desprezavam-na por nojo ou medo. Havia quem lhe pedisse conselhos dos mais variados: como tirar as nódoas de tinta de uma camisa e nódoas de sangue de uma blusa ou como se deviam tratar tais flores ou frutas, inclusive perguntavam-lhe como seria o tempo para os tempos próximos. A tudo isto respondia com precisão. Questionavam-lhe como é que sabia tanta coisa, e ela respondia que era dos anos que transportava às costas.
No seu corpo corroído pela idade, tinha umas mãos que mentiam a sua velhice. Eram umas mãos com poucas rugas, uns belos dedos, pele suave como seda. Era uma sensação maravilhosa tocar aquelas mãos. Tinham poderes curativos, diziam, mas ninguém nem os próprios curados confirmavam, talvez por receio. Foi o caso do rapaz que tinha os vulgarmente chamados “cravos” e que desapareceram de um dia para o outro quando ela passou as suas mãos pelas dele; ou da rapariguinha, já namoradeira, que tinha um vermelhão na pele que não havia remédio ou mezinha que lho tirasse. Ela acariciou-lhe a cara, os braços, o pescoço e o colo, e, dois dias depois, a jovem foi-lhe agradecer. Estava limpa de todo o mal.
Um casal também a procurou, pois a sua filha Carla de 9 anos tinha desaparecido. Mas a velha remeteu-se ao silêncio. Os pais não ousaram insistir, principalmente o pai, que estava com um ar comprometido e que arrancou à força a mulher de junto da velha.
Aparecia todas as manhãs, cedinho, empurrando uma carreta. Nos tempos frios vendia castanhas assadas e, nos de calor, flores de uma beleza sem par, ou fruta, das variedades menos conhecidas: dióspiros, romãs, kiwis, figos, maracujás, de uma qualidade insuperável. Tinha, sempre, algo para comercializar.
Os colegas vendedores, curiosos pela qualidade dos seus produtos, tentavam saber onde ela os adquiria. Na resposta, entre um belo sorriso que os anos não lho tiraram, dizia-lhes que era o Anjo. Pensaram os colegas que seria um lavrador lá da terra, o António Anjo, mas, quando lhe perguntaram, ele respondeu que nunca lhe vendera coisa alguma.
Comia a sua sopinha, todos os dias, na tasca do Sr. Manuel e, no final do dia, pegava na carreta e no banquinho onde se sentava, num recanto entre a cabina do posto de transformação da electricidade e uma casa desabitada, mesmo no centro da vila, onde semanalmente se fazia a feira, e dirigia-se por um caminho estreito enquadrado por sebes em direcção ao rio.
O rio não era largo, mas era profundo. Tinha uma tosca ponte de madeira. A velha, todos os dias, uma vez para cá, outra para lá, atravessava-a. Do outro lado, o terreno era diferente, perdia toda a geometria, só pedregulhos e mato. Diziam que existiam cavernas e covas onde feras disputavam o lugar.
Era um sítio que metia respeito, mesmo medo. Ninguém, a não ser a velha, se arrojava a atravessar o rio. Diziam também que andavam por lá almas penadas e espíritos malignos.  
O tempo escorria, e este ritual da velha era uma constante no dia-a-dia. A gente da terra gostaria de saber onde era a alcova da velha, mas ninguém tinha coragem ou ousadia de atravessar a ponte.
Até que um dia a velha escafedeu-se.
O Sr. Manuel, o tasqueiro, que se afeiçoara à velha, ousou procurá-la. Foi buscar coragem aos anos que era considerado um homem valente e, armado de um cajado, atravessou a ponte. Um estreito carreiro desmatado, marcado pelo rodado da carreta, subia em direcção a uns gigantescos penedos. Disfarçado por um emaranhado de trepadeiras, vislumbrou um buraco que era a entrada de uma caverna. Manuel entrou. O local era de médias dimensões. Era quente e limpo e o chão atapetado com flores silvestres, muito pequeninas. As paredes estavam secas e brilhantes, preenchidas de variedades de quartzo, leitoso e róseo. Era deslumbrante. A um canto encontrava-se um catre com roupa. Mais ao fundo pequenas volutas de fumo espiralavam restos de uma fogueira junto a uns utensílios de cozinha.
Ouviu uns sons sumidos no fundo da caverna. Aproximou-se. Em pequenas caixas de frutas, em caixotes de madeira ou mesmo em recipientes de plástico, forrados por macias folhas, estavam animais, principalmente gatos e cães, e até um raposinho, que estavam a ser tratados de ferimentos ou de doenças. Socorrendo-se de plantas medicinais que a velha era conhecedora, os animais estavam quase totalmente recuperados das suas maleitas. Era um autêntico hospital veterinário, na sua simplicidade, de que as coisas simples são feitas. A velha nutria um verdadeiro amor por estas criaturas. Na sua incredulidade, Manuel nem se apercebeu que alguém se aproximou dele. A velha colocou a mão sobre o seu ombro. Nada disseram, nem era preciso. A ausência estava justificada, aqueles seres vivos estavam a necessitar dos seus cuidados. De súbito ouviu a voz de uma criança. Atónito, viu que era a Carla que desaparecera da aldeia fazia tempo. A velha contou-lhe o que se passou com a menina. O pai abusava dela, e esta teve de fugir de casa. Pediu ao Manuel que a levasse à casa dos avós e que participasse o acontecimento à Guarda. Disse-lhe ainda que um dia regressaria e que havia mais animais e gente a precisar dos seus serviços.
A velha afastou-se de Manuel. Deu-se uma epifania. A caverna inundou-se de uma luz brilhante. Uma aura branca luminescente envolveu a velha. O brilho aumentou até que preencheu a totalidade do seu corpo. Esta deixou de ter forma humana e transformou-se num objecto tridimensional na forma de uma imagem. A imagem levitou e desapareceu por entre uma concavidade da gruta.   
Com decisão, Manuel pegou na criança ao colo e saiu da gruta. Adentrou-se pelo mato na procura do caminho que o levasse ao rio. Atravessou a ponte e com o auxílio de uma pesada vara ferro, que o destino ali lhe colocara, desfez a ponte. O rio que ia caudaloso fez o resto do serviço e arrastou a ponte feita em bocados. Tinha a plena convicção de que a velha não queria que aquela gruta fosse alvo de invasão ou se transformasse num lugar de culto.
Manuel foi fazer o que a velha lhe pediu: entregar a criança aos avós e de seguida foi à Guarda.
Taciturno, regressou à tasca. Ninguém lhe arrancou qualquer palavra.
Estranharam que a ponte tivesse deixado de existir. A falta da velha foi comentada e por alguns sentida. O tempo tudo esquece.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Ponteiros desorientados numa manhã de um hoje sem data de Cristina Barbosa


Correu rua abaixo. O autocarro estava atrasado, disse-lhe um velhote sentado na paragem. Esperou de pé. Lembrou-se de ter lido um dia que, para descansar, basta depois de morto. Sorriu ao pensar nisso. Algum sentido fazia, reconheceu. Cansou-se, porém, de esperar. Os minutos sucediam-se uns atrás dos outros. O velhote, por sua vez, olhava-a com atenção, procurando, a todo o custo, lembrar-se de onde a reconhecia.
Decidiu sentar-se, finalmente. O velhote ajeitou-se no banco, para que ela se sentisse bem. As pessoas à sua volta reclamavam, baixinho, o atraso do autocarro. Ela, porém, parecia distanciar-se de toda aquela confusão. Tivesse paciência e reclamaria também. Afinal, mal dormira de noite e, na verdade, aquele atraso não estava a ser uma boa forma de começar o dia.
O velhote olhou o livro que Carla segurava sobre as pernas. Fingiu interesse, não fosse alguém desconfiar que não sabia ler. Logo ele que – como se gabava – era «um dos tipos mais espertos que as pessoas algum dia poderiam conhecer». Mal sabia que aquele calhamaço mais não era do que um livro de economia que, nem mesmo assim, poderia resgatar o seu país da miséria.
– Olhe lá, ó jovem – disse ele, aproximando-se de Carla. – Pode dizer-me as horas?
– Oito e dez – respondeu ela, olhando-o fugazmente.
– Obrigado – agradeceu ele, desculpando-se logo depois:
– É que me esqueci do relógio.
À volta, maldizia-se ainda o atraso do autocarro, a subida de preços e o encerramento da fábrica lá da zona, que empurrara para o desemprego imensas pessoas. As perspectivas negras de cada dia. E o frio, perante aquele drama negro e de arrepiar, quase nem incomodava, naquela manhã de Novembro.
– Já não sei quem nos há-de valer – desabafou o homem, na direcção de Carla. – Haja saúde ao menos – salvaguardou.
Carla estava sem qualquer vontade de responder ou de iniciar ali uma conversa. Não queria, ainda assim, ser indelicada ou parecer mal-educada. Bem sabia que ninguém tinha culpa da sua má disposição matinal. Invejou, por momentos, a vizinha do andar de cima que, logo pela manhã, quando por ela se cruzava, era já com um belo sorriso no rosto. Em casa, já devia ter vestido os miúdos, feito o pequeno-almoço e deixado roupa a lavar. Teria, por certo, ideia do que seria o almoço. Adiantara, talvez, qualquer coisa. E, depois de tudo isso, saía de casa sorridente. Apesar de correr, atrasada, entre bons-dias apressados.
À frente da paragem, um carro travou inesperadamente. O miúdo, esse, ficou plantado na passadeira. Não sabia se devia recuar, correr, chamar pela mãe. O velhote levantou-se e reclamou contra a falta de prudência na condução. O homem que conduzia fingiu ignorar os gestos impetuosos e desmedidos de algumas pessoas que reclamavam.
– Cambada de idiotas! – berrou o velhote. – Não vêem por onde andam.
O miúdo, assustado, correu para o outro lado da estrada, onde ficava a escola. Se a mãe soubesse o que lhe tinha acontecido, não o deixaria ir para a escola sozinho durante uns bons tempos. E ele que pedira tanto, porque, afinal, já era um rapaz crescido. Desejou que a cena não tivesse sido presenciada por nenhum conhecido. Não tinha sido, de facto.
O autocarro havia tido um acidente, soube-se, entretanto. No escritório, a vizinha de Carla, que todas as manhãs sorria, chorava. Fora, sorrateira, para a casa de banho. Trancara-se lá dentro, depois do aviso que, juntamente com outros trabalhadores, recebera.
Já Carla, cansada de esperar, decidiu fazer o percurso a pé. Quando a viu levantar-se, o velhote pensou perguntar-lhe se era a filha do senhor Jerónimo, o padeiro. Aquela que, dizia-se, estava a estudar para ser economista. Não perguntou. Estava convencido de que era, realmente, ela. Até tinha semelhanças com a mãe, observou ele. Arrependeu-se, porém, de não lhe ter perguntado as horas, que o tempo, esse, passava a correr.