quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Profecia por Célio Passos




A esplanada do restaurante tinha poucos clientes.
Herculano Quintas ocupou uma mesa perto do varandim que dava para a falésia da praia.
Escolhera aquele restaurante porque por ali passava muita gente da comunicação social, e ele, como jornalista freelancer, tinha oportunidade de estabelecer contactos, face às dificuldades, cada vez mais reais, de arranjar trabalhos.
Na outra ponta do restaurante estava sentado um indivíduo deveras estranho. Totalmente careca, esse aspecto não era relevante porque está na moda os homens raparem o cabelo; vestia um fato cinza antracite, camisa branca e gravata azul-escura. A sua cara era esbranquiçada, angulosa e as sobrancelhas, se existiam, eram um simples traço, tal como a boca. Os olhos assemelhavam-se aos dos orientais. As orelhas eram pequenas, coladas ao crânio. O nariz aquilino tal como de uma estátua grega. Era alto, talvez 1,80 metros.
Desde que Herculano entrou no restaurante que não o deixava de o observar, facto que lhe chamou à atenção.
Herculano escolheu um prato do menu e pediu uma bebida. Reparou que o indivíduo, apesar de ter um prato com comida e uma bebida à sua frente, não se prontificava a comer. Estava Herculano quase a acabar a refeição e a situação permanecia inalterável. Numa imobilidade exasperante, o indivíduo continuava a fixá-lo, facto que começou a perturbá-lo. A certa altura chamou o empregado e pediu a conta, sem sequer ter tocado na refeição, o que levou o empregado a questionar se algo se passava com o prato escolhido. Perante a resposta negativa, o empregado apresentou a conta, que ele prontamente pagou, deixando uma substancial gorjeta. Levantou-se e dirigiu-se à mesa de Herculano e perguntou-lhe se podia sentar-se; perante o inesperado acto, disse que sim.
- Sei que o posso ajudar! – disse num português com um sotaque estrangeirado.
- Mas porque acha que eu preciso de ajuda? - perguntou Herculano.
- Apesar de morfologicamente ser parecido consigo, sou de outro planeta e venho numa missão essencial para a sobrevivência do meu planeta. Penso que nos podemos ajudar mutuamente. Estou num hotel aqui em frente, com uma identidade falsa, como deve entender, mas se estiver interessado em conversarmos, apareça amanhã pelas 15 horas – despediu-se e entregou-lhe uma espécie de cartão-de-visita, num material que nunca tinha visto:
                                                                 Stephen Wright
                                                                       Adviser
                                                                  Perth England

O que se estava a passar era uma situação, no mínimo, surreal.

Eram perto das 15 horas, quando Herculano chegou ao hotel e dirigiu-se à recepção.             
- Sr. Herculano Quintas? O Sr. Wright está aguardando-o no quarto 302. O elevador é ali à sua direita- disse o recepcionista sem esperar qualquer pergunta.
Herculano bateu à porta do 302. Wright abriu a porta e fez um gesto a convidá-lo a entrar.
- Não o convido para uma bebida, porque apesar de sermos morfologicamente parecidos, o meu metabolismo é diferente do vosso. Seria muito fastidioso explicar como vivemos, e não interessa para o propósito que aqui o trouxe. Sei que está em dificuldades em arranjar artigos para publicar, e eu consigo ajudá-lo.
- Como? - perguntou Herculano.
- É que eu tenho poderes que vocês terrestres não têm - disse Wright.
- Como assim?
- Eu tenho vários dons, um deles é da premonição. Eu sei de factos que se vão passar com certeza absoluta e com todos os pormenores. Alguma vez ouviu falar do calendário Maia? - perguntou Wright.
- Sim. Mas não tenho conhecimentos suficientes sobre a matéria.
- E da profecia que ele contém?
- Não.
- Sabe que o calendário termina no dia 21 de Dezembro de 2012?
- Não. Mas o que tem a profecia com o fim do calendário?
- É que, segundo essa profecia, coincide com o fim do vosso mundo. Mas, os nossos cientistas sabem que isso não vai acontecer. Vários acontecimentos vão ter lugar a nível do vosso planeta, não só geológicos, climatéricos, catástrofes, convulsões sociais, mas também terá implicações no universo.           
     - Acha que estou a mentir?
- Não propriamente, mas estou a duvidar das suas intenções - respondeu Herculano.
- Para lhe provar as minhas intenções, vamos fazer um teste. Eu sei que para a semana vai haver um desastre rodoviário de enormes proporções. Vou dar-lhe um dossier com todos os pormenores que vai fazer chegar a um jornal ou revista para quem trabalha no dia anterior ao acontecimento. Fala com a redacção convencendo-os da veracidade do acontecimento e que a publiquem no dia seguinte em manchete, e será o primeiro jornal ou revista a dar a notícia com todos os pormenores, será um sucesso e você ficará bem visto e credível.
Entregou-lhe um dossier com o relato da catástrofe, dados dos mortos, feridos e desaparecidos, fotografias e entrevistas com entidades afectas aos meios de socorro. 
Com uma certa dúvida e relutância, entregou o dossier numa revista com quem trabalhava muitas vezes. O chefe da redacção achou piada e aceitou a reportagem.
No dia do acontecimento, a catástrofe deu-se conforme estava relatada no dossier entregue por Herculano. Dirigiu-se então ao hotel onde estava hospedado Wright.
Não foi preciso dizer nada, o recepcionista disse que o Sr. Wright aguardava-o no quarto 302.
Bateu à porta, Wright convidou-o a entrar.
-Como vê não lhe menti – disse Wright. -O que se vai passar no dia 21 de Dezembro deste ano está tudo descrito neste dossier que o Herculano vai entregar no dia anterior.
-Vamos assistir ao que se vai passar e vamos monitorizar tudo, e se acontecer um pequeno desvio a qualquer dos acontecimentos, tenho que entrar em contacto com o meu planeta para tomar as devidas providências. Encontramo-nos no dia 20 de Dezembro às 24.00 horas, neste hotel. A sua participação é importante porque conhece a raça humana e pode separar os acontecimentos verdadeiros dos especulativos.
Entregou-lhe um dossier volumoso e despediu-se. Herculano saiu do quarto e do hotel.
Foi para casa e começou a lê-lo. Previam-se coisas espantosas. Iam ao mínimo detalhe os diversos eventos. Herculano ficou apreensivo com alguns, espantados com outros e satisfeito com uma minoria. Tinha nas mãos, provavelmente, o futuro e não podia para já divulgar.    
Entrou no restaurante, meio aturdido, nem sabia bem o que queria comer. Os acontecimentos que se previam a curto prazo tiraram-lhe o apetite. Entretanto, entrou no restaurante um colega de profissão, o Esteves de Almeida, seu conhecido de longa data. Herculano convidou-o para a sua mesa. Apesar de começarem a falar de assuntos da profissão e das dificuldades existentes, da cabeça de Herculano não saía a conversa que tinha tido com o Stephen.
-Conheces o Stephen Wright? - disparou a pergunta que parecia uma bala.
 -Stephen Wright ? Não. É colega de profissão? Nunca ouvi falar dele, e tu bem sabes que conheço a malta toda, mesmo os estrangeiros – respondeu de um modo espontâneo. - Porquê?
 - Esquece! Sou eu que estou com este nome na cabeça e não sei como apareceu. Estou confuso – justificou-se.

Entretanto, foi-se documentando sobre a previsão Maia e a data relacionada. Muitos meios de comunicação, principalmente revistas, falavam do acontecimento do dia 21 de Dezembro de 2012.  
Faziam -se previsões, os cientistas opinavam, os sociólogos conjecturavam, os filósofos filosofavam, as religiões apelavam, os geólogos analisavam os movimentos da crusta, os astrólogos consultavam os astros, outros especialistas teorizavam, e o comum dos humanos queria era saber como sobreviver ao dia de amanhã com o miserável ordenado que levava para casa.     
Herculano relembrou-se da situação que se passou quando da passagem do milénio, em que se dizia que o mundo ia acabar, fizeram-se grandes cruzes, multidões entraram em pânico e no final o planeta Terra continuou a girar no espaço infinito. 
Mas desta vez, e pelos dados fornecidos por Wright, o caso era diferente. Seria diferente? Ou o Wright não era quem dizia ser? Será verdadeira a profecia Maia? Estará de facto o fim do mundo? Será no dia 21 de Dezembro em que o mundo vai conhecer um novo destino? A espera vai ser exasperante.
Recolheu a casa e começou a escrever um texto: “ Antes de 21 de Dezembro de 2012.”  
Seriam as suas memórias. Poderiam um dia vir a ser úteis a alguém.                               

                                                                                                         FIM

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