segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Destinos Trocados de Célio Passos.


Albano Centeno fechou a mala. Era médico-cirurgião e estava em Paris, onde tinha acabado de assistir a um congresso e ia, dentro de algumas horas, para Nova Iorque dar uma conferência a convite de um instituto americano. Enquanto cirandava pelo quarto para verificar se não se esquecia de nada, tinha a televisão ligada num canal francês. Por momentos a emissão foi abaixo, o que alertou Albano; o ecrã tinha ficado todo azul. Ia mexer no comando quando, inesperadamente, aparece a cara da filha Sara a dizer, numa voz muito calma: “Não te preocupes pai, que eu estou bem!”. A emissão de seguida retomou a programação normal. Albano ficou estupefacto. O que significava aquilo? A filha Sara também era médica, pediatra, e estava numa ação humanitária no Mali. Pegou no telemóvel e tentou ligar à filha, mas esta não atendeu. Alterado com o sucedido, ligou para Portugal para uns parentes, para ver se sabiam de alguma coisa. Nada sabiam. Se tivessem alguma novidade que o informassem. Tentou falar com o filho Ricardo que estava em Inglaterra. Disse-lhe que tinha falado com a irmã há três dias, e que estava tudo bem. Falou para o centro de operações do apoio humanitário em Bamako, mas estabelecer a ligação foi impossível. Albano tinha o avião para Nova Iorque, dentro de quatro horas, e não podia faltar. Deixou o hotel, meteu-se num táxi, e foi para o aeroporto Charles de Gaulle. No caminho, preocupado, recordou a cena da televisão e lembrou-se que, em tempos, se interessou, por curiosidade, pela parapsicologia, mas como cientista que era, não lhe dava nenhuma credibilidade. Dizem que a parapsicologia explica estes fenómenos, chamam-lhe telepatia, e recordava-se de ter lido que se tinham registado mensagens mentais entre duas pessoas, distanciadas de muitos quilómetros. A “gate” para o voo de Nova Iorque era a 10. Já se processava a entrada dos passageiros. Albano colocou-se na fila. Ao lado, na “gate” 9, processava-se um embarque para outro destino. O que na realidade se passou, Albano ainda hoje não sabe explicar. A verdade é que, apesar de todas as verificações ao bilhete, Albano entrou no avião do outro destino. Estranhou o facto de ver tanta gente de raça negra, mas não se admirou, pois que,  Nova Iorque cada vez mais,  tem cidadãos afro-americanos. O avião descolou. Caiu num sono perturbado, agitado, nem deu conta das mensagens que as hospedeiras e o comandante, a espaços, davam. Passadas algumas horas, o avião começou a aproximar-se de terra. Albano despertou. O comandante do avião comunicava que estavam a aproximar-se do aeroporto de Bamako Senou International, no Mali, dando informações meteorológicas com uma voz tranquila. Albano começou a suar. Chamou a hospedeira de bordo, e explicou o engano que cometera. A hospedeira disse que não havia solução, só quando chegassem a Bamako é que se podia solucionar o caso. Já que se encontrava no Mali, ia aproveitar para visitar a filha. Teria que descobrir onde seria o centro de apoio da ONG, local onde Sara se encontrava a trabalhar e inteirar-se se algo de anormal se passava. Saiu do avião dirigiu-se para a aerogare e, para espanto seu, tinha um militar francês com um cartaz com o seu nome. Dirigiu-se ao militar e identificou-se.
Como sabe que eu vinha neste avião? - Perguntou.
A sua filha disse-me que o tinha contactado, e que o senhor doutor vinha neste voo - respondeu num bom português. O militar era luso-francês.
Albano não tinha recebido qualquer tipo de mensagem da filha, nem pensava ir a Bamako. O seu destino era à Big Apple e, enigmaticamente, estava a aterrar no centro de África. O militar disse ao motorista para se dirigir ao Hospital Gabriel Touré. Albano desconhecia o que se estava a passar, deixou-se transportar, contudo, fez uma pergunta ao militar:

        - Porquê o hospital? O militar informou-o que a filha tinha tido um acidente e que estava internada. O pânico tomou-o de assalto. Dirigiram-se a uma enfermaria e Albano encontrou a sua filha a dormir, apresentando sinais evidentes de graves ferimentos. O médico do hospital que veio ao seu encontro, informou-o que ela tinha sido apanhada num confronto entre as fações em conflito no Mali, tendo sofrido várias escoriações pelo corpo e um hemorragia interna, mas que já tinha sido operada e que estava fora de perigo. Albano puxou de uma cadeira, sentou-se junto à cama e pegou-lhe na mão. Teve tempos infinitos a olhar para a filha. Quando o cansaço estava a vence-lo, a filha acorda e olha para o pai: “Eu tinha a certeza que vinhas! Ainda bem que estás aqui; dás-me força! “. Albano sorriu e algumas lágrimas correram-lhe ao longo das faces. As idiossincrasias que tinha acerca dos fenómenos telepáticos, começaram a ceder.

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