
Sentei-me numa cadeira a meio da sala pronto a escutar as ordens que nos iriam ser dadas. Os mapas colocados na parede central em frente à “plateia” davam conta dos avanços das nossas forças e das posições ainda em poder do inimigo. Não demoraria muito tempo a chegada do comandante da companhia. O seu ar quase sempre “carregado” era fruto de muitas campanhas que mandara levar a cabo e nas quais já perdera muitos dos “seus bons homens”.
Ainda cogitava nestes pensamentos quando o mesmo entrou pela porta lateral. Toda a companhia se levantou em sinal de respeito militar. Num ar quase “paternal” mandou-nos sentar. Fez-nos o “ponto de situação” em relação ao que se passava e rapidamente avançou com as instruções, apontando com um pequeno ponteiro, no mapa central, os pontos a ter em conta:
— Meus “Senhores”, esta missão é vital para o desenrolar desta guerra. Só destruindo as baterias alojadas nas montanhas temos hipóteses de controlar o “terreno” – e continuou numa voz que demonstrava toda a “severidade” do momento.— Custa-me muito dizer isto mas [fez uma pausa] alguns de vós irão morrer no campo de batalha. Só unidos podemos sofrer um mínimo de baixas. Não haverá lugar a “falhas”. Se tal acontecer, ninguém sobreviverá. O inimigo encontra-se bem posicionado e defendido, pelo que só a surpresa e a rapidez do nosso ataque poderão surpreendê-lo. Desejo-vos boa sorte e que Deus vos proteja — dito isto, fez continência a todo o grupo e saiu apressadamente da sala.
Aos grupos iam saindo pausadamente e comentando as palavras do comandante.
Já participara noutras “missões”, igualmente difíceis, mas nunca numa como esta. A “morte” era uma palavra repetida quase diariamente, pelo que a minha “mente” já estava “adaptada” à mesma. Agora restava-me “preparar-me” convenientemente. Dirigi-me ao armazém de material a fim de escolher o “armamento” que havia de levar.
De passagem olhei para a Ordem de Serviço que se encontava afixada no quadro à entrada da casamata e li o número de baixas da última semana.
— Filhos da puta...
Os quatro helicópteros aguardavam a ordem para arrancar. Sentado já no interior de um deles, olhei a cara dos meus “camaradas” de armas. Fartos da guerra, as suas caras, pouco ou nada, demonstravam o que lhes ia na alma...
Uma voz vinda “sei lá de onde” clamava por mim: “Miguel! Miguel!...” Olhei para um lado e para outro e não vi vivalma. “Será que estou a ficar louco?», pensei para comigo.
Levantámos voo em direcção às montanhas que se encontravam lá muito ao fundo...
Dentro dos aparelhos só se ouvia o motor das hélices porque as nossas bocas iam fechadas e a vontade de falar era nula.
Quando faltavam alguns quilómetros para chegarmos ao “objectivo” os aparelhos baixaram rente ao solo para todos saltarmos rapidamente. O meu grupo foi o segundo a dirigir-se da clareira para a mata. Correndo em ziguezague para, no caso de começarem a disparar, termos mais hipóteses de não sermos atingidos. No entanto não se ouviu disparos alguns.
Fomos embrenhando-nos na mata dispostos em leque de modo a abrangermos a maior parte do terreno que pisávamos. A respiração era contida e os movimentos feitos com muita subtileza.
Os quatro grupos subiam em direcções bem definidas. A cada um incumbia a destruição de baterias sem dar hipóteses de comunicarem o ataque às restantes.
A mata cerrada tornava a progressão algo lenta, pelo que havia que tomar certos cuidados para não sermos denunciados. Sabíamos que havia destacamentos que patrulhavam as zonas circundantes.
Tornei novamente a ouvir a “mesma voz” chamar por mim: “Miguel! Oh Miguel!”
Desta vez não prestei muita atenção à “voz vinda do além”. Havia que manter a
concentração no que tinha de fazer.
De repente as balas começaram a irromper de todos os lados. Armado apenas com uma metralhadora ligeira e uma faca de mato, pensei que só um milagre me salvaria de uma morte certa.
No entanto, o espírito "selvagem" de sobrevivência era a minha única hipotese para combater o medo que me invadia.
O meu grupo ficara quase totalmente inoperacional depois da primeira emboscada.
— Ah maldita guerra! — gritara interiormente.
O cenário que agora se me deparava era o pior que se poderia imaginar. O terreno antes coberto de arvoredo parecia agora uma paisagem lunar cheia de crateras abertas pelos impactos dos morteiros e granadas.
Rastejava por entre os escombros de rocha e árvores tombadas e ia ouvindo uma voz vinda como que do "outro mundo": «Miguel, Miguel, anda!»
Nada descortinava e as granadas continuavam a cair de um lado e de outro.
De metralhadora na mão, levantava-me e disparava à minha direita e à minha esquerda em espaços muito curtos, ouvindo de quando em vez os sons sinistros de adversários que tombavam.
«Miguel, ouves-me? Anda!», a tal voz não me largava.
Não dei conta de mais quantos adversários matei, até que ouvi gritar:
— Miguel, ou desligas imediatamente a bodega do computador ou não torno a aquecer o jantar outra vez!