Albano
Centeno fechou a mala. Era médico-cirurgião e estava em Paris, onde tinha
acabado de assistir a um congresso e ia, dentro de algumas horas, para Nova
Iorque dar uma conferência a convite de um instituto americano. Enquanto
cirandava pelo quarto para verificar se não se esquecia de nada, tinha a
televisão ligada num canal francês. Por momentos a emissão foi abaixo, o que
alertou Albano; o ecrã tinha ficado todo azul. Ia mexer no comando quando,
inesperadamente, aparece a cara da filha Sara a dizer, numa voz muito calma:
“Não te preocupes pai, que eu estou bem!”. A emissão de seguida retomou a
programação normal. Albano ficou estupefacto. O que significava aquilo? A filha
Sara também era médica, pediatra, e estava numa ação humanitária no Mali. Pegou
no telemóvel e tentou ligar à filha, mas esta não atendeu. Alterado com o
sucedido, ligou para Portugal para uns parentes, para ver se sabiam de alguma
coisa. Nada sabiam. Se tivessem alguma novidade que o informassem. Tentou falar
com o filho Ricardo que estava em Inglaterra. Disse-lhe que tinha falado com a
irmã há três dias, e que estava tudo bem. Falou para o centro de operações do
apoio humanitário em Bamako, mas estabelecer a ligação foi impossível. Albano
tinha o avião para Nova Iorque, dentro de quatro horas, e não podia faltar.
Deixou o hotel, meteu-se num táxi, e foi para o aeroporto Charles de Gaulle. No
caminho, preocupado, recordou a cena da televisão e lembrou-se que, em tempos,
se interessou, por curiosidade, pela parapsicologia, mas como cientista que
era, não lhe dava nenhuma credibilidade. Dizem que a parapsicologia explica
estes fenómenos, chamam-lhe telepatia, e recordava-se de ter lido que se tinham
registado mensagens mentais entre duas pessoas, distanciadas de muitos quilómetros.
A “gate” para o voo de Nova Iorque era a 10. Já se processava a entrada dos
passageiros. Albano colocou-se na fila. Ao lado, na “gate” 9, processava-se um
embarque para outro destino. O que na realidade se passou, Albano ainda hoje
não sabe explicar. A verdade é que, apesar de todas as verificações ao bilhete,
Albano entrou no avião do outro destino. Estranhou o facto de ver tanta gente
de raça negra, mas não se admirou, pois que, Nova Iorque cada vez mais, tem cidadãos afro-americanos. O avião descolou.
Caiu num sono perturbado, agitado, nem deu conta das mensagens que as
hospedeiras e o comandante, a espaços, davam. Passadas algumas horas, o avião
começou a aproximar-se de terra. Albano despertou. O comandante do avião
comunicava que estavam a aproximar-se do aeroporto de Bamako Senou
International, no Mali, dando informações meteorológicas com uma voz tranquila.
Albano começou a suar. Chamou a hospedeira de bordo, e explicou o engano que
cometera. A hospedeira disse que não havia solução, só quando chegassem a
Bamako é que se podia solucionar o caso. Já que se encontrava no Mali, ia
aproveitar para visitar a filha. Teria que descobrir onde seria o centro de
apoio da ONG, local onde Sara se encontrava a trabalhar e inteirar-se se algo
de anormal se passava. Saiu do avião dirigiu-se para a aerogare e, para espanto
seu, tinha um militar francês com um cartaz com o seu nome. Dirigiu-se ao
militar e identificou-se.
Como
sabe que eu vinha neste avião? - Perguntou.
A
sua filha disse-me que o tinha contactado, e que o senhor doutor vinha neste
voo - respondeu num bom português. O militar era luso-francês.
Albano
não tinha recebido qualquer tipo de mensagem da filha, nem pensava ir a Bamako.
O seu destino era à Big Apple e, enigmaticamente, estava a aterrar no centro de
África. O militar disse ao motorista para se dirigir ao Hospital Gabriel Touré.
Albano desconhecia o que se estava a passar, deixou-se transportar, contudo,
fez uma pergunta ao militar:
- Porquê o hospital? O militar
informou-o que a filha tinha tido um acidente e que estava internada. O pânico
tomou-o de assalto. Dirigiram-se a uma enfermaria e Albano encontrou a sua
filha a dormir, apresentando sinais evidentes de graves ferimentos. O médico do
hospital que veio ao seu encontro, informou-o que ela tinha sido apanhada num
confronto entre as fações em conflito no Mali, tendo sofrido várias escoriações
pelo corpo e um hemorragia interna, mas que já tinha sido operada e que estava
fora de perigo. Albano puxou de uma cadeira, sentou-se junto à cama e pegou-lhe
na mão. Teve tempos infinitos a olhar para a filha. Quando o cansaço estava a
vence-lo, a filha acorda e olha para o pai: “Eu tinha a certeza que vinhas!
Ainda bem que estás aqui; dás-me força! “. Albano sorriu e algumas lágrimas
correram-lhe ao longo das faces. As idiossincrasias que tinha acerca dos
fenómenos telepáticos, começaram a ceder.