O céu tremeu sobre a sua cabeça. Não tardava muito,
pensou ele, seriam dois estranhos. Duas pessoas com um longo passado de união,
que, de um momento para o outro, se tornavam verdadeiros desconhecidos. Não de
repente, na verdade. Era um fio que há muito vinham tecendo, cada um para seu
lado. O fio era de ambos, mas estava quase, quase a romper-se.
A mulher, Amélia, ao seu lado, calou-se por momentos. Percebeu-o
muito pensativo e angustiado. Ouviu a queixa dele sobre uma amizade que parecia
desgastar-se, o pensamento verbalizado.
Quando eram mais novos, o treinador disse-lhes, uma vez,
que eram uma família. “Amigos-irmãos, assim, uma só palavra, ouviram?” As
palavras ecoavam na cabeça de Cândido. Eram só mais duas pessoas que, com o
passar dos anos, se haviam convertido ao silêncio. E, sobretudo, a uma
distância cruel, que crescia ainda mais, a cada dia. Não havia, pensou Cândido,
forma de voltar atrás. Como a pedra atirada. Exemplo tão banal e banalizado,
mas válido. Cada um trilhava agora o seu caminho, de modo isolado. Cândido,
mesmo assim, não conseguia deixar de lamentar. Não compreendia aquela ansiedade,
mas conseguia sentir um espaço vazio que havia dentro de si.
Cândido conduzia. Trovejava. “Como se não houvesse
amanhã”, pensou. Chovia. Pouco, no início. Amélia queixava-se sempre que chovia
assim. Como naquele momento:
– Que raio! Prefiro que chova tudo de uma vez, do que
esta chuva miudinha! – exclamava ela.
– Estás dentro do carro – ripostava ele. – Não te faz
diferença.
– Incomoda-me, mesmo assim.
– Manias – balbuciou ele.
Minutos depois, deixava Amélia no laboratório onde ela ia
fazer umas análises.
– O seu nome, por favor – pediu o funcionário, educado.
– Amélia Guerra – disse ela.
– Disse-me Amália, certo? – perguntou ele, parecendo ausente.
– Errado – respondeu, de forma áspera. – O meu nome é
Amélia.
– Percebi mal – desculpou-se o rapaz, nervoso.
– Pois, eu reparei.
Perto da mulher, um telemóvel tocava insistentemente. O
homem, ao seu lado, estava demasiado ocupado com pensamentos parvos, talvez,
mas felizmente, pensou ele, ninguém sabia em que pensava e não havia sequer
meio de saber. Entretanto, levantou-se bruscamente, afastou-se e atendeu,
aborrecido. Amélia já tinha reparado nele. Mesmo sentado, parecera-lhe altíssimo,
e não respondia aos cumprimentos de quem por ali passava. O sobrinho mais novo
de Amélia diria, certamente, que era um indivíduo estranho. Assustador também.
“Que mania”, pensou
ela na altura, “têm as pessoas de julgar os outros pela aparência.” Porém, também
ela o fazia, tantas e tantas vezes.
– Não, não posso – respondeu o homem,
secamente, a quem lhe ligara.
– Pois, não sei – continuou depois. – Falamos mais logo.
Mesmo não sendo nada consigo, Amélia sempre ficava
incomodada com tanta indiferença e má disposição. O homem não parecia ser
simpático. Não cabia a Amélia, contudo, fazer grandes análises. Não conhecia o
homem e esse era motivo mais do que suficiente para que a sua opinião não
tivesse grande validade, pensou. Embora soubesse que a primeira impressão conta
imenso. Raramente se enganava. Com o marido também assim foi: uma primeira
impressão que não enganava. Nesse caso, chamara-lhe amor à primeira vista. Bem
vistas as coisas, tinham aspectos em comum, o amor – ou os afectos, de modo
mais amplo – e as impressões.