quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Optima citissime pereunt (O que é bom não dura) de Delmano Graça.


Já lá vão alguns anos que se reencontraram, depois de muitos anos esquecidos da existência de um e do outro. Foi Inês que o procurou (para saber como estava) depois de saber que o infortúnio lhe tinha batido à porta. Quem atendeu o telefone foi a mãe dele.
Pedro, após ter conhecimento do telefonema de Inês, estranhou. Mas, ingenuamente, acreditou na costela de filantropa dela. “Ainda há gente boa”! Pensou. Não ligou por aí além, mas ficou curioso. Também a ela a vida lhe tinha voltado as costas! Soube-o passado alguns dias quando lhe telefonou. A desventura bateu-lhes à porta, mas havia que ser fortes e resistir. Telefonaram-se durante algum tempo e depois combinaram encontrar-se. Pedro foi ter com Inês a um local previamente combinado. Foi bom verem-se, mas as coisas não correram de feição. Passaram a falar-se com alguma frequência! Porém, os encontros amorosos ficavam um pouco aquém do que pretendiam. Havia qualquer coisa a inibi-lo e, por mais que ele tentasse, o que achava dever e fazer, não era capaz. E assim, foi pensando que tinha perdido a capacidade de amar. E tinha mesmo!
Foi em agosto que tudo aconteceu. Um qualquer dia, marcaram encontro para o fim da tarde. Pedro esperava-a numa alameda de árvores frondosas, pouco movimentada, numa ermida próxima dos locais onde passavam férias. Uma amiga de Inês foi levá-la ao local combinado. Já se não lembram se foram rezar a Nossa Senhora, mas se não foram, ela ajudou-os na mesma! Mas, creem que sim!
Foram depois jantar a um restaurante da moda a uns quilómetros dali… E correu de tal forma bem que até a servente, responsável pela carta de vinhos e seu serviço, uma holandesa em Portugal, se tornou cúmplice e colaborou naquele idílio. Anke serviu-lhes (oferta da casa) um espumante bruto – Vértice e, a convite dele, também brindou. Que não devia, disse-lhes. A Anke não se lhe foi do olho a situação daqueles dois simpáticos amantes (amantes, são pessoas que (se) amam). Pedro e Inês ficaram amigos dela, e ela também não os esqueceu. O jantar correu bem. Ambos acharam que aquele restaurante mudou um pouco o rumo, do rumo que haviam traçado para eles.
Curioso! Passaram alguns anos e lembram-se perfeitamente bem daquilo que comeram. 
Os pratos eram brancos, retangulares e sem qualquer motivo. Eram grandes e traziam pouco. Para entrada vieram torradinhas e pasta de azeitonas. Para Inês, polvo na grelha, molho verde de pasta de azeitonas com batatinhas a murro salpicadas com feijão verde. Para Pedro, carpaccio de bacalhau. Quantidades pequenas, mas o suficiente… Os copos (para darem ritualidade à ocasião) eram de pé alto e de vidro-cristal. A ocasião merecia e o vinho espumante também! A sobremesa foi comida às “debicadelas” maliciosas, insinuantes e cheias de sensualidade. Pedro “não sujou a colher”, mas comeu-a e sabe que era deliciosa. Era bolo de chocolate negro, derretido, com gelado de frutos do bosque. Afrodisíaco? Talvez. Para acompanhar pediu vinho fino (Porto- Quinta do Crasto vintage). Inês preferiu beber do copo dele. “Tem um sabor bom”, disse-lhe. “E aquecido pelo calor da tua boca é muito melhor!” Segredou-lhe ao ouvido mordiscando-lhe o lóbulo direito. Ficou excitado, confessou mais tarde! Foi nessa altura que Pedro teve a certeza de que algo ia acontecer. E aconteceu! Bebericaram todo o vinho dessa forma. Pedro, orgulhoso de si, apressava-se a beijocá-la, esvaziando a sua boca na dela, deixando nela o melhor dele. Pedro não sabe se pediu mais algum copo de vinho, mas se não pediu, ficou a dever-se. A dever-lho. (Ah, se fosse hoje, quantos mais não pediria!)
À vinda para casa pararam na beira da estrada. Estavam com algum desejo e pressa que acontecesse o que há muito desejavam e não acontecia. Porém, não era a hora. Continuaram caminho.
Chegados às redondezas do local onde nasceram, resolveram seguir até ao local mais bonito do lugar. Fica lá bem no alto e a vastidão que de lá se enxerga não tem comparação. Mas não foi para avistar o longe que lá foram, mas sim para sentir o próximo. Não sabem que horas eram, não sabem que fase da lua estava, não sabem quem estava do lado deles, mas … Sabem que foi a hora, sabem que estava luar, e sabem que os anjos, os arcanjos, os santos e santas e Nossas Senhoras estiveram com eles. E o que tinha que acontecer aconteceu. E foi bom.
Como acto não foi grande coisa, mas foi bom pelo que desencadeou.
Corpo, alma e ego satisfeitos, foi deixá-la a casa dela. Era já dia seguinte, mas era cedo. Muito cedo mesmo. Pedro chegou a casa e não tinha sono. Não cabia em si de contente. Tinha conseguido, e a capacidade de amar estava de regresso. Parecia um adolescente. E, na verdade, tinha-se comportado como tal. (Meu Deus, como é bom estar-se sempre adolescendo!)
A partir desse dia foi “um ver se te avias”? Claro que não. Na medida do possível, apenas. Outros dias e outras noites vieram e foram, até que um dia tudo esmoreceu. E tudo acabou como começou. Sem motivo. Até que um dia recomece!? Ninguém sabe, e o que tiver de ser, será.

Sabem que, à medida que a idade avança, o desejo vai recuando. Um vento ciclónico invade-lhes a alma e os pequenos rascanhões que se vão fazendo ao longo da vida ficam registados e quando a sensibilidade aflora vêm ao de cima as agruras que os assolou ficando os sentimentos em torvelinho. É verdade que as árvores velhas também afolham, e dão frutos algumas vezes! Mas não é a mesma coisa…