quarta-feira, 9 de junho de 2010

A TRAIÇÃO DE MINURO

por Célio Passos



Apesar de o Sol estar no auge do seu fulgor, o tempo era ameno na planície junto ao rio Tagus.

Nessa planície o procônsul romano Sérvio Sulpício Galba, governador da Hispânia Ulterior, mandou plantar uma árvore de Maio. Esse era o local onde se ia assinar o pacto perpétuo da concórdia com as tribos lusitanas.

Apareceram milhares de pessoas das diversas tribos: os da Callaecia, da Vetónia, os carpetanos, os oretanos, os da Betúria e da Cinésia, e alguns vindo de várias povoações remotas pouco conhecidas como Lubara, Aritium Vetus, Araduca, Verurio ou Tacubis. E por se tratar de uma festa de paz, apareceram desarmados e levaram consigo as mulheres, os filhos e os anciãos.

Resplandecia no ambiente a felicidade por tal acontecimento que há muito se desejava. Farnéis com produtos das terras eram espalhados pelo terreno para alegria dos presentes: pão de bolota, rotundifólio e peças de caça — coelho, javali, veado e pernas de carneiro assado. Bebiam pichéis de céria ou zito, cerveja de cevada e, por ser uma festividade, o vinho fazia parte da ementa.

Assim que finalizavam os repastos, os mais jovens desenvolviam jogos guerreiros — a vapulação, os saltos, os sarilhos e as lutas atléticas — para festejar de um modo guerreiro o acontecimento pacífico que se avizinhava, enquanto as moças dançavam o bailharote, o outavado e principalmente a xoliça, que era a dança mais popular, acompanhadas de instrumentos, como o arrabil, o atabaque ou o adufe, este que perdurou nos tempos.

Esperava-se que o pretor Sérvio Galba aparecesse e desse início a esse grande, esperado e desejado acontecimento, mas o facto é que o general tardava a aparecer acompanhado da sua corte.

Entretanto quatro legiões de soldados romanos apareceram na planície com as suas bandeirolas e foram marcando lugares. Na primeira fila colocaram-se os hastários, por detrás destes os príncipes e na terceira linha os triários como barreira de resistência. Depois apareceu a cavalaria com quinhentos cavaleiros armados com o gládio hispânico de dois gumes. As lanças e chuços dos hastários colocaram-se por um movimento repentino em riste, formando uma cerrada muralha de espetos.

— O pretor Sérvio Galba tarda a aparecer? — falou Punicus, um dos chefes lusitanos, com ar preocupado.

— O que se está a passar? Os romanos não estão com boas intenções — disse Tantalus.

Um mal-estar estabeleceu-se naqueles milhares de lusitanos quando por detrás dos triários moviam-se torres de madeira, catapultas e balistas. Sem se aperceberem ainda muito bem do perigo que se aproximava, as mulheres abraçavam os filhos e os velhos anciões aconselhavam prudência.

Sérvio Galba não aparecia, estava a observar as manobras de longe, recolhido atrás de uns arbustos e guardado por uns soldúrios.

O ar tornou-se pesado, a alegria passou a angústia, pesados calhaus foram arremessados por catapultas sobre aquela massa de pessoas indefesas. Sem confessar a intenção, e faltando ao seu compromisso, Galba desejava que o extermínio fosse rápido e completo, como tal, outros engenhos eram lançados, caso de panelas de pez e estopa a arder e lanças incendiárias ou falaricas, e os fundibulários, com uma prática e precisão impressionante, abatiam à pedrada alguns lusitanos, coadjuvados pelos arcubalistas. A multidão movia-se, de um lado para outro, sem tino nem destino, não oferecendo resistência alguma.

O Sol já se aproximava do ocaso, Sérvio Galba queria terminar rapidamente o extermínio antes do anoitecer. Mandou os cavaleiros passarem à espada os sobreviventes. Os cavaleiros recusaram-se a fazer tal operação porque ainda eram muitos os lusitanos vivos. Foi quando o pretor mandou avançar os elefantes oferecidos pelo rei africano Massinissa para os utilizar na guerra contra os celtiberos.

Os dez elefantes couraçados com chapas guarnecidas de espadas foram conduzidos para aquele montão de gente. Debaixo das patas destes monstros que pesavam toneladas ouvia-se o estalar dos ossos e o respingar do sangue que saía dos corpos, misturando-se com as vísceras arrancadas pela passagem dos elefantes, em que carne e sangue formavam com a terra recalcada uma massa horrenda. Regueiros cheios de sangue corriam para o Tagus, que se tingiu de vermelho. No ar putrefacto e debaixo daquele montão de cadáveres ergueram-se uns vultos, sorrateiramente, que se fingiram de mortos, aproveitando as trevas que se iam adensando. Tratava-se de Ouriato e os inseparáveis amigos Ditalco, Andaca e Minuro. Enquanto os amigos de Ouriato ajudavam alguns sobreviventes a fugir daquele inferno, Ouriato saltou para um dos elefantes e com uma precisão impressionante espetou a falcata no crânio do animal, fulminando-o instantaneamente. Depois de aniquilado o primeiro elefante, Ouriato passou ao seguinte, aniquilando-o do mesmo modo, e assim sucessivamente até ao décimo.

A noite era já cerrada quando Sérvio Galba ordenou que deitassem fogo ao montão de cadáveres e aos elefantes de Massinissa. Daquele quadro de horror escapavam-se alguns indivíduos que foram porta-vozes junto das tribos e das cidades mais longínquas como Olissipo, Balsa, Ossonofa, Scalabis e Jerabriga do nefando morticínio efectuado pelo pretor e governador Sérvio Galba.

De todas as povoações chegaram homens audaciosos, não só movidos pela curiosidade, mas para se juntarem à onda de revoltados contra tamanha traição. Os cadáveres incompletamente carbonizados que cobriam a campina eram rodeados por alcateias de lobos, de águias e de abutres que disputavam os corpos.

«Estes corpos insepultos reclamam dos vivos o cumprimento de um dever sagrado. Na impossibilidade de se dar sepultura a estes nossos irmãos de imediato, façam-se peregrinações ao campo da matança, e que cada lusitano lance uma pedra para cima dos cadáveres até que se formem montes que lhe chamaremos de Montes Gáudios, que, para além de servirem de túmulos funerários dos nossos conterrâneos, serão igualmente um monumento de protesto e de eterna revolta», falou um ancião em nome do povo.

Os povos que gozavam das garantias do poder romano não queriam tomar partido para não perderem os privilégios dados pelo conquistador de Roma, caso dos célticos e iberos, e, apesar do ciúme da hegemonia lusitana, não ficaram indiferentes ao morticínio do governador Sérvio Galba.

Ouriato foi a personagem lusitana mais falada naquela trágica noite. A sua valentia o seu destemor deram força àquele destroçado povo.

Perante a insurreição que na Lusitânia se vivia, o senado romano mandou o general Caio Vetílio deslocar-se rapidamente para a Hispânia Ulterior com o reforço de duas legiões para se juntar às tropas que estavam acantonadas em Córdoba.

Entretanto, Sérvio Galba foi chamado a Roma para dar explicações, perante o senado romano, da monstruosidade que foi protagonista na Lusitânia, mas, sabendo o que o esperava, foi preparando a sua defesa, presenteando os senadores, funcionários de Roma e juízes com ouro e prata das minas lusitanas, e apresentando-se no tribunal com os seus dois filhos para os emocionar sentimentalmente.

A palavra eloquente de Sérvio Galba era conhecida e admirada, mas o que ele fizera na Lusitânia não foi do agrado dos romanos. Os tempos mudam mas os processos continuam os mesmos, o suborno foi essencial para ilibar o pretor das acusações.

Caio Vetílio ordenou que as suas legiões, agora reforçadas com mais de dez mil homens, saíssem do acantonamento de Córdoba e seguissem em massa compacta pela Turdetânia ao encontro das tribos lusitanas. Não havia tempo a perder. A rapidez do ataque muitas vezes decide a sorte da batalha. Não tardou que as tribos lusitanas fossem avistadas e Caio Vetílio lançou a ordem de guerra, tradicionalmente conhecida: «Sem tréguas, nem quartel.»

O entusiasmo dos lusitanos no primeiro assalto era previsível mas foi impotente; apesar de serem comparáveis em número de guerreiros, faltava-lhes a disciplina e, a mais importante de todas, a ordem de um comando general. Depressa os lusitanos reconheceram a batalha perdida. Apesar da bravura e valentia dos seus homens, era imprevidente entrarem na luta sem um chefe que os dirigisse.

De entre os lusitanos foram enviados a Caio Vetílio emissários, levando erguidos «ramos de oliveira», um deles, Ditalco, pediu em nome das tribos lusitanas a suspensão das hostilidades e prometeu que ficariam em campos de concentração, quietos e submissos no cumprimento de todas as imposições.

Caio Vetílio mandou retirar os emissários e ordenou que regressassem no dia seguinte para assinar o pacto de rendição.

Era noite cerrada quando os emissários chegaram ao acampamento lusitano. Ao descreverem a conversa tida com o general transmitindo as exigências deste — submissão perpétua e incondicional, com garantia de reféns para a efectividade do pacto —, ouviu-se um rugido de uma fera que silenciou os presentes. Ouriato, que entretanto se juntou às tropas, fez-se ouvir:

— Para ser escravo de Roma não são precisos pactos. Que loucura confiar na palavra dos romanos. Já se esqueceram de Sérvio Galba?

— E o que fazer? — pergunta Ditalco.

— Resistir! — responde Ouriato.

O nome de Ouriato ressoava na noite escura, os soldados lusitanos recordavam a relação com um nome glorioso, de um valente lusitano, de seu nome Viriato, que acompanhara o cartaginês Aníbal a combater contra os romanos nos Alpes, e que morrera na batalha de Cannas. O ódio aos romanos não morrera, era agora redivivo neste salvador que ressurgia como um novo vingador. Os dois nomes identificaram-se como guerreiros cuja missão era a defesa de uma Lusitânia livre.

O guerreiro foi aclamado chefe e aceitou ser renomeado de Viriato, que mais que um nome era um grito de guerra, que dava confiança e energia aos soldados representados pelos seus chefes das contrébias.

— Viriato, és o nosso chefe. Comandai-nos contra as legiões romanas — disseram os chefes guerreiros lusitanos.

Deste modo Viriato convenceu os seus compatriotas a usarem uma manobra hábil, que consistia em dividir as tropas em pequenos grupos para atacar em várias frentes, chamando a si um grupo de cavaleiros que controlava as posições dos romanos, enquanto as outros grupos se iam escapando através dos sectores mais fracos das linhas inimigas, concentrando-se depois no local que previamente tinham combinado. O grupo de cavaleiros de Viriato rompeu o cerco e foi arrastando os romanos em direcção ao desfiladeiro da serra de Ronda. Quando o grosso do exército romano passava nesse apertado desfiladeiro, onde não tinha possibilidade de manobra, caíram sobre eles os lusitanos ocultos nas encostas íngremes, fazendo nas fileiras inimigas uma espantosa chacina, tendo sido morto o próprio general Caio Vetílio. Esta vitória reforçou o prestígio de Viriato.

Enquanto os romanos se preparavam para novas operações de guerra, Viriato vagueava pela Lusitânia para reconhecimento dos territórios e povoações e para saber o apoio que tinha contra o invasor. Quando pisava solo da Carpetânia veio ao seu encontro um grupo de homens que transportavam a Crantara – a lança ensanguentada que significava a convocação de uma reunião dos chefes militares; ia-se celebrar o conselho do castro da Colla junto da grandiosa anta da Candieira na serra de Ossa, na presença do endre Idevor.

O povo pelo costume antigo chamava endre a cada um desses homens, a quem acatavam como depositários de um maravilhoso poder espiritual. De facto os endres eram propriamente os antigos das tribos, os que conservavam a norma e o sentido moral ou histórico dos costumes, possuíam um saber do passado, que os tornava oráculos vivos, conselheiros em todos os momentos arriscados e conciliadores nas lutas internas e separatistas das várias tribos. Um destes endres, o mais querido entre as tribos, era o venerando Idevor.

No adro sagrado das sepulturas é que os chefes lusitanos consultavam o eco dos espíritos para tomarem as resoluções necessárias para as lutas a travar com o inimigo. Numa das lajes da anta existia um buraco aberto a meia altura do chão, tendo um palmo em quadrado de diâmetro. Era por esse buraco que o endre Idevor interrogava os mortos sobre a sorte das batalhas.

Em poucos dias Viriato chegou, acompanhado dos inseparáveis Ditalco, Minuro e Andaca, ao castro da Colla. Já tinha chegado grande parte dos chefes, entre eles Tantalus e Punicos.

Os chefes lusitanos fizeram questão que o endre Idevor entregasse a Viriato o Colar dos Três Crescentes como símbolo da chefia máxima dos lusitanos. Foi entre vivas e com grande emoção que o endre o depositou nas mãos de Viriato, que o colocou ao pescoço.

O endre Idevor colocou na pedra furada as oferendas do banquete funerário. O conselho armado ali representado pelas tribos lusitanas tratava de saber como iriam se defender dos romanos que pretendiam vingar-se de tantas derrotas que lhe infligiram. Idevor avançou para a pedra furada, ajoelhou-se e interrogou os mortos, colocando o ouvido no orifício da pedra. De repente quebra-se o silêncio e Idevor falou:

— Viriato! Viriato! Nunca serás vencido em batalha! Nunca morrerás às mãos dos romanos.

A satisfação dos presentes foi total.

— Entrego-te a espada invencível das batalhas, a espada Gaizus.

Viriato pegou na espada, beijou-a e, brandindo-a no ar, disse:

— Há-de ser livre a Lusitânia.

O único pensamento que ocupava a mente do general Serviliano, desde que fora eleito cônsul, era defrontar e derrotar Viriato e apresentá-lo em Roma descalço e humilhado. Tinha conseguido que o senado romano lhe dispensasse um exército de sessenta mil homens e mil e seiscentos cavaleiros. Viriato contra uma força destas dificilmente resistiria, já que só contava com seis mil homens, mas não desanimou perante tal adversidade e ordenou o seu plano — manobrar com rapidez de modo que Serviliano não consiga manter a disciplina e a ordem na batalha.

As tropas romanas rapidamente chegaram à Hispânia Ulterior. E Viriato, em vez de esperar o ataque, deu ordem para um assalto instantâneo, com o intuito de estabelecer a confusão nas tropas romanas, e para que fossem desferidos ataques em diversos pontos. O assalto encheu de assombro o exército inimigo, que recuou, aguardando por reforços, que decidiriam a luta. O exército, reanimando-se com o extraordinário reforço, toma a ofensiva. Viriato, evitando o combate, foi atraindo o exército romano para terrenos seus conhecidos, com a sua técnica de contra-ataque, que consistia em atacar e depois fugir. Serviliano, com o exército cansado e com a perda de três mil homens pelas incursões dos homens de Viriato, refugia-se em Ituca. Reabastecido, Serviliano procurou Viriato em vão, avançou para norte, tomando em poucos dias algumas cidades fiéis a Viriato, fazendo dez mil escravos e mandando degolar quinhentos indivíduos considerados seus partidários. Nas suas marchas Serviliano não encontrava o cabecilha lusitano. Decide tomar Erisane, cidade rica e populosa, e fez muitos escravos. Os soldados dividiam-se em volta da cidade, abrindo fossos, quando inesperadamente de dentro dos seus muros irrompem cavaleiros lusitanos. Parecia que a cidade se desfazia, pela violência e rapidez e pelos gritos estridentes viu-se que era gente de Viriato. O exército romano, sem ensejo para entrar em ordem, vai abandonando o terreno, sem saber que estava a ser impelido por Viriato para um desfiladeiro apertado entre dois montes. Logo que Viriato conseguiu encurralar o grosso do exército consular, deu ordem a uns companheiros para fazerem rolar do alto das duas montanhas grandes penedos, aprisionando o exército romano. Dispostas assim as coisas, mandou parlamentários a Serviliano com a seguinte mensagem:

«Que o cônsul Serviliano considere perdido o combate ou qualquer resistência. Que ao primeiro sinal de resistência rolariam pedras sobre o exército romano. Antes de qualquer procedimento, queria saber o que é que propunha Serviliano para que o exército romano fosse salvo.»

A resposta de Serviliano não demorou.

«Que Quinto Fábio Máximo Serviliano, pelos poderes conferidos pelo senado romano, lhe entregava um cinto de ouro, como insígnia de autoridade de soberano. Que poderia Viriato a partir daquela altura considerar-se rei da Lusitânia e fiel aliado de Roma, sendo o seu primeiro acto a assinatura de um tratado de paz e a dissolução do exército.»

O tratado foi redigido com todas as formalidades do Direito das Gentes, e Serviliano assinou como procônsul. Viriato firmou em nome dos povos lusitanos que representava. Trocaram os diplomas autênticos, um iria para Roma, outro ficaria na posse de Viriato. Nesse dia os dois exércitos entraram em festa, ficando no campo as tropas de Viriato, até que o exército romano deixasse de ser visto seguindo em marcha para o seu quartel de Inverno.

Apesar dos sucessos de Viriato nas batalhas contra os romanos, e do poder que fora investido, a estes não lhes agradava como os governadores da Hispânia Ulterior tratavam o caso da Lusitânia.

Mas os compromissos assumidos por Serviliano duraram pouco, nuvens negras apareceram no céu predizendo maus augúrios. Tântalo apareceu preocupado porque teve conhecimento de que os generais romanos Quinto Cépio e Décio Bruto aproximavam-se da Lusitânia com algumas legiões, quebrando o tratado de paz.

Perante a informação recolhida de Tântalo, Viriato encarou-o com assombro, por ver que a infâmia de Quinto Cépio era idêntica à de Sérvio Galba.

— Ainda tenho a minha espada — disse Viriato.

No caminho, Viriato verificou que multidões de gente fugiam das cidades invadidas, saqueadas e incendiadas por Quinto Cépio.

A malvadez com que Cépio procedia contra as populações, chegando a mandar expor nas praças pregados em cruzes os lusitanos que lhe lembravam o tratado de paz violada, fez reflectir Viriato; sendo impossível organizar as forças para o enfrentar, iria opor-se com a força moral.

— Quero lembrar a Quinto Cépio que temos um tratado de paz assinado pelo seu irmão Serviliano e ratificado pelo senado de Roma. Que nós não o infringimos, e que acreditamos na fidelidade de Roma no cumprimento da lei. Que três dos meus leais companheiros lhe vão mostrar o tratado de paz, e declarar-lhe que à majestade dele entregamos a nossa defesa. E sereis vós, Ditalco, Andaca e Minuro, encarregados desta missão.

Transportando ramos de oliveira para se anunciarem e demonstrarem que iam em paz.

— Direis a que vindes — perguntou o soldado romano.

— Queremos falar com o general Quinto Cépio. Envia-nos Viriato dizendo que recebeu de Roma o título de amigo e é-lhe impossível pegar em armas contra Roma, e lembra que existe um tratado ratificado pelo senado e pelo povo de Roma.

O general, que se aproximava, ouviu o que Ditalco dissera e respondeu:

— Não posso ouvir falar nesse tratado assinado por meu irmão. Esse tratado nada vale para mim — disse Cépio.

— Violais então a autoridade de Roma?— perguntou Andaca.

— Os tratados só têm a força que lhes dão as espadas, e digo-vos que o senado autorizou-me a hostilizar Viriato. Tenho aqui cartas de Roma dizendo-me para continuar a guerra na Lusitânia.

— Parece que a nossa missão está terminada – disse Ditalco.

— Não a considereis terminada — respondeu Quinto Cépio.— Quereis paz na Lusitânia?

— Claro!— respondeu Minuro.

— A paz na Lusitânia, sim, mas não a paz com Viriato!— disse Cépio.

O desafio estava lançado e os três lusitanos logo se aperceberam quais as intenções romanas.

— Roma carece de gente valorosa e com energia nestas terras. Roma encarregou-me de vos conferir o título de cidadãos romanos, as honras do patriciado, com acesso a altos cargos da República, e uma substancial quantia em sestércios, se...

«Efectivamente Viriato está a tornar-se um embaraço. Quando se chega a certa popularidade torna-se um perigo», concordaram Andaca, Ditalco e Minuro.

Sem grandes demoras Quinto Cépio retira o capacete da cabeça, deita três pedras, em que uma dizia «Morte», e cada um dos lusitanos tirou uma pedra. A sorte calhou a Minuro.

Era noite alta quando os três lusitanos regressaram ao acampamento. Viriato sentia os passos dos seus companheiros que se aproximavam silenciosamente da barraca. Minuro afastou o pano e entrou com um punhal atrás das costas. Viriato nem chegou a falar. Minuro, rápido, curvou-se sobre ele descarregando o golpe fatal. Feito o trabalho, os traidores montaram os cavalos e saíram à desfilada para o acampamento romano.

— Viriato está morto, vimos buscar a recompensa — disse Minuro.

Quinto Cépio olhou com indiferença e desprezo para aqueles homens e disse:

— Roma não tem por costume dar prémios a soldados que matam o seu general.

Andaca, Ditalco e Minuro montaram de novo a cavalo e desapareceram o mais rápido que foi possível do acampamento romano, temendo por suas vidas. Mas as suas traições não ficaram impunes. Minuro não conseguiu resistir ao que tinha feito a Viriato e enforcou-se. Andaca e Ditalco foram apanhados por uns soldados lusitanos que saíram em sua perseguição e foram mortos. O destino da Lusitânia estava traçado.

Viriato foi vestido com um fato de gala magnífico, amarraram-lhe os cabelos na testa, como fosse entrar em combate, colocaram-lhe na cabeça a tríplice cimeira e o capacete de couro, pendente no pescoço o Colar dos Três Crescentes, um pequeno escudo côncavo, preso por correias, e numa das mãos a falcata.

Os soldados levaram-no para cima de um alto penhasco, grandes molhos de rama e pinheiro, de faias e carvalhos, formando uma pira, e colocaram o corpo já rígido de Viriato. O fogo foi ateado enquanto danças guerreiras se faziam à volta da pira, batendo escudos e floreando as lanças.

Para tanta vida de êxitos, o fogo foi demasiado rápido para devorar o corpo de Viriato.

Roma passaria a dominar toda a Península Ibérica.


NoNota : Foto – Morte de Viriato- Museu do Prado, Madrid, da autoria do pintor José de Madrazo